Jussara Lucena, escritora

Textos

Vazios

Lisa aceitou a minha proposta e passamos a morar juntos. Eu estava concluindo o meu curso universitário. Ela saiu do interior e veio tentar a sorte na cidade grande. O pouco que tínhamos caberia naqueles dois apertados cômodos que aluguei.
No primeiro dia, chegou tarde, cansada. Olhou para as paredes mal pintadas e afastou a velha cortina, da única janela do lugar. Não fez comentário, apenas perguntou o que beberíamos para comemorar. Apanhei a jarra sobre a mesa e servi dois copos com água. Esforçando-se para demonstrar felicidade, questionou: “Ãgua quente?”.
No dia seguinte, bem cedo, fui até o bricabraque procurar um refrigerador. Descobri que o dinheiro seria insuficiente. Voltava triste, porém numa das esquinas, ao lado de uma lixeira, havia uma velha geladeira vermelha, igualzinha a Frigidaire da minha avó.
Pedi ajuda ao catador e, em sua carroça, levamos a geladeira até uma oficina perto de minha casa. O homem concordou em consertar pelo que eu tinha no bolso.
Quando Lisa chegou em casa o congelador já formava uma fina camada de gelo e além da jarra de água e de um copo de iogurte, também havia uma garrafa de cidra, na temperatura ideal para um brinde. Naquela noite dormimos tarde e felizes. A porta da geladeira, aberta, ajudou a refrescar o calor depois do sexo.
Por um bom tempo a geladeira continuou vazia e vazios também ficaram nossos dias, até que Lisa me deixou e foi morar com o dono da padaria, passando para o outro lado do balcão. Perdi a companheira e a possibilidade de comprar fiado também. O portuga ainda queria me cobrar a conta! Maldita geladeira! Vermelha nunca mais!

Texto publicado pela Editora Gráfica de Heliópolis em Minicontos, grandes histórias.

Adnelson Campos
26/11/2019

 

 

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