Por um lugar seguro

por Jacira Fagundes

Desde criança tenho verdadeiro pavor de brigas, de gritos e discussões, de vozes alteradas, de gestos invasivos, de insultos e agressões. Deveria ter passado por analista no decorrer da vida, tratado firmemente deste medo que me é difícil controlar, ainda hoje. Sempre que posso, escapo do local onde pressinto os ânimos descambando, mesmo de longe,  para algo do tipo violento. Percebo um simples desentendimento entre duas pessoas, e já me ponho em alerta. Logo estarei buscando segurança, distante dali.

Foi o que aconteceu noutra ocasião, num restaurante na praia, ao ver um garçom levantar uma cadeira para agredir um colega. Todos os frequentadores ficaram sentados aguardando a intervenção do gerente que os expulsou dali de imediato. Mas eu já havia escapado num piscar de olhos e meu marido, envergonhado, me trazia de volta lá do outro lado da rua.

Sim, um analista me teria feito um bem enorme. Hoje eu estaria preparada para conviver com toda esta violência urbana, não de forma natural – o que seria inaceitável – mas de forma menos apavorante ou revoltada.

Pois imagine, quem me lê, do quanto me fez mal presenciar, num ponto de ônibus, dia desses, um assaltante descer da moto dirigida pelo comparsa e colocar uma arma na cabeça de um jovem  e exigir que o rapaz lhe entregasse a mochila, enquanto o outro gritava “entrega...entrega logo, cara.” E eu me encontrava na parada do ônibus, a dois ou três passos do jovem.  Não é difícil adivinhar minha reação, fugi dali, mas a dor e a impotência que senti e a revolta que ainda sinto; estes sentimentos, permanecem inalterados.

Não quero mais assistir a noticiários de agressões, assassinatos e atos de violência generalizada, repetidos e repetidos pela imprensa, na conquista de audiência. Quero ficar distante.

Quero ver bons documentários na TV, assistir a entrevistas no Arte 1, acompanhar a Fátima Bernardes nas manhãs, e o Saia Justa do GNT com o Dan Stulbach e o  Du Moscovis que são excelentes. E outras tantas gente boa.

Quero ler o Moisés Mendes, o Potter, o Carpinejar, a Marta e até a Rosane de Oliveira –  colunistas dos jornais a que tenho acesso, conhecer suas histórias, suas opiniões, seus pontos de vista, sobre assuntos os mais diversos. E os poucos  artigos que adicionam informações culturais e relevantes para a comunidade.

Na rua, quero olhar a gente que vive a cidade, que transita devagar ou apressada, que digita no celular ou lê um livro enquanto aguarda a vez na fila do banco ou do supermercado.

Em casa, quero ler meus livros e  entrar ficção a dentro, soltar livremente  meu imaginário e escrever minhas histórias inventadas. E me encantar com meus pertences e meus afetos.

Quero respirar o ar quase puro que meu bairro ainda conserva, longe dos corredores de fumaça.

Quero ver a vida rolando sob um novo prisma – o da esperança. Alienação? Quem sabe. Ou, possivelmente, um lugar seguro para o coração, já que é um pouco tarde para o analista.

A companhia, de quem como eu, já se fartou  deste lado sombrio das cidades, será muito bem-vinda.

 

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