O livro na estante

por Jacira Fagundes

Estou em um raro momento vazio de compromissos. Resolvo entrar naquela livraria do shopping e reencontrar meus leais objetos de desejo.

O espaço que disponho é enorme, faço o trajeto devagar e olho os livros dispostos nos balcões. São muitos e cada um ao alcance da curiosidade de mãos e olhares das pessoas. Alguns são manuseados, em geral os estrangeiros que vem sendo apontados na mídia. Destes, vários são transportados pela avidez da posse de prováveis leitores até o caixa. Muitos, depois do manuseio, retornam ao lugar de antes como objetos não convincentes. E ainda há outros, menos sedutores, que permanecem intocados por um motivo ou outro, até que cedam espaço para os novos que costumam chegar cheios de promessas.

Ultrapassando os balcões, me reporto para as estantes. Quase não consigo ler os títulos, tão espremidos eles se encontram. Nestas ocasiões de tempo ocioso, costumo vasculhar as estantes, me guiando por nomes de autores já lidos ou conhecidos. Desejo encontrar outro título que venho procurando já de algum tempo e busco um atendente. Ele me leva a uma consulta online. Sim, o livro procurado está na tela – título, autor e sinopse. Eu vibro, mas sua presença é apenas no modo virtual. Se tiver sorte, posso encomendar para dali a sete, oito dias. Mas realmente não sou a sortuda da ocasião e o livro físico sequer encontra-se disponível. Não é tarefa fácil, e movida pela impaciência, desisto da empreitada.

Quantas vezes eu dediquei momentos de pura contemplação em livrarias, não saberia quantificar. Sei que foram muitos, e sei também que sempre me propiciaram instantes revigorados.

Consulto a hora no celular e deixo a livraria. Mas levo comigo uma inquietação. Tenho, depositados em alguma daquelas estantes, um que outro exemplar de minha autoria. Tanto quanto os de outros autores, aguardando a mão que o tirará do espaço sufocado e, com sorte, o levará triunfante para casa.

Esse o caminho do livro sonhado por todo escritor. O começo nem sempre é simples. O que alguns  costumam chamar de inspiração, na verdade, é esforço  consciente de busca. Concatenar as peças do provável jogo de ideias em palavras, e daí chegar a  um todo harmônico e singular é tarefa para dias e noites mal dormidas. Escrever, escrever, escrever. Muitas vezes revisar e desprezar palavras e caminhos. E voltar a escrever, escrever, escrever.

Após o ponto final encerrar a última frase, inicia-se uma nova etapa, por vezes cruel. A conquista de um editor, seguida de novas revisões, por vezes exaustivas, é o passo seguinte. A satisfação pelo esforço despendido dá-se   quando se toca no produto pronto e acabado pela primeira vez. Um filho - nosso filho - planejado, gerado e amado. Em mim, particularmente, passa uma sensação de posse e desprendimento  ao mesmo tempo. O que me leva na direção oposta e distante – o leitor.

Acredito que todo escritor deseje ardentemente ser lido. Para isso escreve. Para se encontrar com o leitor mais adiante, no silêncio da palavra, no que ela, a palavra, teve de suprema importância para ele –  escritor.

Daí minha inquietude. Cada um dos milhares de livros expostos naquele santuário de ideias espera pacientemente pela outra ponta do processo transitado até ali. O leitor precisa apenas baixar o livro da estante e conduzi-lo até o caixa; é ele quem tem a chave que encerra o projeto literário do escritor cujo despertar da ideia foi antes, bem antes. 

 

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