Críticas

Sobre "Inventário de Cronos"



(Indicado ao Prêmio Açorianos de Literatura)

Inventário de Cronos, de Jaime Vaz Brasil, não constitui apenas uma dura e dolorosa meditação sobre o tempo, esse quinto elemento de ignorar / o antes e o depois, mas também - e sobretudo - uma alta lição de austeridade expressiva e de irretocável entre o que e o como da linguagem poética. Há nesses poemas uma sábia e harmoniosa comunhão entre forma e fundo, o que torna seu verso inteiriço, inconsútil ou, numa palavra, estritamente necessário. E só os granes poetas o escrevem com essa medida.

Ivan Junqueira

Jaime Vaz Brasil é uma das vozes mais criativas e dignas de atenção do país. Neste livro, ele dá aos seus versos um novo esplendor, o de uma mente e e um coração absortos no mistério do tempo, que converte a existência humana em enigma, ou melhor: em mistério. Só a poesia - a Poesia autêntica e grande - consegue confrontar o homem consigo mesmo.

Armindo Trevisan

Os gregos inventaram o deus Cronos para representar o tempo. Na Teogonia, epopéia elaborada por Hesíodo, seus genitores são Urano, o Céu, e Géa, a Terra, de cujo conúbio Cronos nasce, destronando, tão logo tem condições, o pai. Temendo, depois, experimentar a mesma sorte, devora, assim que nascem, os filhos, frutos de seu casamento com Réa. A mãe trata de proteger um deles, Zeus, que vence o pai e toma o poder, governando, desde o Olimpo, os reinos celeste, terrestre e subterrâneo.

Na religião grega, somente os deuses superiores submetem o tempo. Religiões monoteístas, como o judaísmo e o cristianismo, não rejeitam essa idéia, porque apenas a divindade pode situar-se fora do tempo e da deterioração que ele produz. É como se, para negar a inexorabilidade de Cronos, tivéssemos de instituir - ou inventar, se formos ateus - outra entidade para vence-lo ou dominá-lo, conforme expõe Hesíodo, nos versos da Teogonia.

Não que os homens não desejassem controlá-lo de maneira mais eficaz: calendários, ciclos, agendas, diários são, todos, modos narrativos d estabelecer limites ao tempo, esforços vãos de recortar o contínuo do fluxo cronológico, de que somos vítimas desde o nascimento.

Eis a perspectiva materialista e estóica com que Jaime Vaz Brasil encara o tempo, no inventário que arrola em seu livro. O substantivo inventário supõe, em seu sentido original, as noções de relação, lista, enumeração, como se o poeta - que, em toda esta obra, não emprega a primeira pessoa, escondendo-se por detrás do discurso subjetivo - contabilizasse a ação do tempo, operando sobre a humanidade e a natureza. Mas o mesmo vocábulo guarda, em seu interior, a sugestão de que se confunde com invenção, descoberta e criação, de que ele, o artista, é o narrador.

Por isso, os poemas podem diagnosticar o modo de ser do tempo, segundo uma ótica resignada, de que estão ausentes promessas ou soluções ilusórias. Como o autor escreve, a promessa de retorno / é filha / de nossa febre. Essa perspectiva, contudo, não impede o fazer criativo, a invenção poética; pelo contrário, estimula-a, porque corresponde à aprendizagem do sentido das palavras, conforme "Possíveis medidas" propõe:

O tempo nos brinda
a ilusão de sabê-lo
apenas para que possamos usar
a palavra
quando.

A epopéia do tempo, inexorável e desencantada, abre então espaço para o mundo humano, que se empenha na edificação de uma história e uma coletividade. Construímos patrimônios, conforme testemunha "Alma das Pirâmides", memória que impõe o passado ao curso do rio, esforço baldado de escapar à finitude e à morte. "Imortais" ironiza a aspiração de enganar o trasncurso do tempo:

Honras e glórias
mantém o cheiro artificial
da imortalidade.

Inventário de Cronos, poema único, dividido em cinco partes constituídas de textos individuais, todos com título, o que os singulariza, investe em um tema filosófico, que tanto a ciência, quanto a mitologia procuram resolver e simbolizar. O poeta, sem se identificar, dá sua visão pessoal da matéria que nos diz respeito desde sempre, por meio de versos límpidos e imagens diretas, pois, coerente com a declaração da primeira estrofe do livro, no átrio do tempo / a palavra é nua. Com isso, produz uma bela obra, destinada a resistir ao tempo.

Regina Zilberman

Há no Eclesiastes tempos de guerra e de paz. O Inventário de Cronos desmente-os, inaugurando um Tempo de poesia, porque o bom poema é isto: um estar em guerra constantemente em paz.

Altair Martins

 

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