
A
grama do vizinho é sempre mais verde. A frase fica entre a sabedoria popular e
o clichê, tantas vezes dita e repetida e tão propícia para nossa caprichosa sociedade
contemporânea. Que o digam Lúcia e Mariana, interpretadas por Fernanda Carvalho
Leite e Ingra Liberato, respectivamente, na peça
Inimigas Íntimas.
O mote da peça é simples: duas mulheres de meia idade, amigas de infância e adolescência, se reencontram depois de anos e marcam um jantar. As duas não têm mais nada a ver uma com a outra, e, pior do que isso, guardam mágoas profundas e invejam uma a vida da outra: Lúcia, atriz, solteira e solitária, queria ter casado e tido filhos com Osmar, o marido de Mariana, que queria ser atriz e bilhar nos palcos, ao invés de levar uma vidinha suburbana de dona de casa.
O interessante da peça é que a partir desse conflito tão universal, atemporal e explorado pela literatura, pelo teatro ou pela televisão, Fernanda e Ingra conseguem fazer o público rir de suas próprias idiossincrasias, de seus próprios caprichos, e refletir sobre suas próprias amizades e suas próprias invejas, graças a um texto muito bem costurado de Artur José Pinto.
O maior mérito do texto é conseguir criar situações cômicas, pelo estereótipo ou pela caricatura, sem abandonar a história principal que move a narrativa, fórmula do
hors concours Bailei na Curva. Assim, ao invés de explorar o jantar em si e o encontro das duas inimigas íntimas, como sugere o próprio título do espetáculo, a peça vai narrando em paralelo o dia das duas amigas e aos poucos nos acostumamos que as duas atrizes são, na verdade, quatro personagens: quando Fernanda Carvalho Leite é Lúcia, Ingra é uma impagável doméstica, Yvette, talvez a mais graciosa e engraçada personagem da peça; e quando Ingra vira Mariana, Fernanda transforma-se na jornalista masculinizada Jussara, outra coadjuvante capaz de roubar a cena. Atuações dignas de duas celebridades, dois monstros sagrados do teatro gaúcho, como diria a jornalista Jussara :-)...
Falando sério, é impressionante a sintonia das inimigas íntimas. Em algumas cenas, a transição da história de Mariana/Yvette para Lúcia/Jussara é feita num piscar de olhos, mas sem deixar o espectador perdido em nenhum momento. Dessa forma, a peça ganha muito em dinamismo e explora acertadamente a versatilidade das duas atrizes, que em palco não apenas encenam como declamam, dançam, fazem ginástica e trocam de roupa, às vezes tudo ao mesmo tempo.
A direção da peça é de Néstor Monastério, a quem é atribuída a presença em palco de um curioso e divertido coringa, o contraregra André Oliveira. A música fica por conta do cidadão quem Duca Leindecker, o figurino é de Sérgio Lopes, a cenografia de Rodrigo Lopes, a coreografia de Jussara Miranda, a iluminação do próprio Néstor Monastério e a programação visual de Nícolas Monastério.
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