Em 1997, por ocasião do lançamento de As horas podres, ouvi o jornalista Jerônimo Teixeira afirmar que seu desejo secreto era ter produzido uma obra de fôlego — um “tijolão” de 500 páginas, dizia ele, quase como a se desculpar pela magreza das 110 páginas de sua novela de estreia. Alguns anos mais tarde, ouvi o imortal Moacyr Scliar vir em sentido contrário, quando afirmou que um livro hoje não deveria ter mais de 200 páginas, sob pena de não encontrar leitores com tempo suficiente para desfrutá-lo. Depois disso, parece até que os dois andaram trocando figurinhas: Antes do circo, segundo título de ficção de Teixeira lançado em 2008, atingiu a marca das 128 páginas — 18 a mais do que o primeiro, mas muito longe ainda das sonhadas cinco centenas —, enquanto Scliar continuou lançando livros de vários tamanhos e formatos, a maioria deles superando o limite por ele mesmo proposto. O fato é que cada peça literária tem um tamanho ideal, nem maior nem menor do que o necessário.
Entretanto, Scliar nada fez senão repercutir uma tendência atual: os livros de ficção em geral têm ficado menores, e por vários motivos. Em primeiro lugar, nunca foi tão fácil e barato publicar. Diante dessa realidade, a urgência do reconhecimento faz com que a toda hora nasçam obras pequenas em tamanho, como coletâneas de poucos contos ou novelas breves, próprias de quem está começando no ofício das letras. Depois, o advento das mini e micronarrativas, formas que têm tudo a ver com a velocidade do mundo contemporâneo, além de se acomodarem muito bem em espaços tão exíguos quanto inusitados, como uma caixa de fósforos ou a tela de um celular. Há os que desde sempre tiveram na concisão um ideal estilístico e não se constrangem em lançar obras de poucas páginas, como o italiano Alessandro Baricco ou nosso conterrâneo Michel Laub, dentre outros tantos. E há por fim escritores veteranos que vêm abdicando de obras caudalosas em favor de narrativas mais enxutas, como o norte-americano Philip Roth, que tem preferido agora a brevidade da novela aos alentados romances de outros tempos, ou o gaúcho Luiz Antonio de Assis Brasil, em sua busca constante da essencialidade.
Esses movimentos, aparentemente sem vinculação, acabam provocando a sensação de que a literatura encolheu. E ela de fato está menor, se levarmos em conta apenas o número de páginas ou os limites impostos pelas novas possibilidades tecnológicas de veiculação do texto literário. Mas a medida da boa literatura nunca foi o tamanho.
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“Keitai shosetsu”. Essa expressão em japonês batiza uma tecnologia nascida há nove anos naquele país: a “literatura de celular”. O pai da criança é um jovem chamado singelamente de Yoshi, autor do romance adolescente Deep Love (Amor profundo), que foi publicado num site para ser depois acessado por aparelhos celulares. A novidade virou febre no Japão, outros títulos foram lançados nesse meio e acabaram se transformando em quadrinhos, cinema ou séries de TV. Sobre este tema, há uma interessante reportagem na Revista da Cultura de maio passado, que pode ser encontrada também na internet.
Quem está acostumado ao secular movimento de gastar saliva virando as páginas de um livro em papel por certo há de estranhar muito a novidade. Entretanto, para os jovens que hoje se alfabetizam num teclado de computador e que veem o celular como uma extensão da própria roupa, esta pode ser uma ótima porta de entrada para a literatura. Não é outro o principal argumento de autores brasileiros que não se fazem de rogados diante dessas novas possibilidades, como o escritor Marcelino Freire, organizador da antologia Os cem menores contos do século (limite de cada texto: 50 letras) e curador de uma mostra de literatura celular promovida pelo SESC (limite: 120 letras). Ou ainda Samir Mesquita, autor de Dois palitos, uma coletânea de 50 microcontos apresentados numa prosaica caixinha de fósforos.
O grande desafio do autor que se aventura num desses caminhos minimalistas é manter acesa a convicção de que a qualidade da obra literária nada tem a ver com quantidade. E aqui encontra-se o nó górdio da questão: a matéria-prima da literatura são as palavras. Não existe obra que sobreviva apenas de uma sacada genial (este é o terreno da publicidade). As micronarrativas podem servir como porta de entrada a um neófito ou mesmo como um delicado acepipe ao leitor contumaz, mas, com raras exceções, não vão muito além disso. Para se contar uma história, é preciso criar personagens, cenários, conflitos; é preciso, em última análise, desenvolver ideias. Se poucas palavras derem conta desse recado, ótimo. Sou o primeiro a aplaudir.
Só, por favor, não me tirem o prazer de ficar mergulhado horas a fio nas páginas intermináveis de um bom romance, daqueles que nem precisavam terminar.
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