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Literatura

A arte de narrar a História
Marcelo Spalding

Escritores contam histórias, inventam histórias. Mas não só. Airton Ortiz, por exemplo, é um jornalista e escritor que viaja pelo mundo em busca da História com “H” maiúsculo para transformá-la em histórias de gentes e lugares distintos, distantes, por vezes esquecidos. Sua série “Viagens Radicais” já percorreu Egito, Himalaia, Índia, Everest, Kilimanjaro, Amazônia, Tibete, Alasca, o mundo Maia. E agora chega ao palco da guerra mais simbólica do século XX, a guerra que plantou a semente do pacifismo numa nação sempre belicosa e manchou de sangue a bandeira norte-americana.

“Vietnã Pós-Guerra: uma aventura no sudeste asiático” (Record, 2009, 262 p.) começa quase como um diário de bordo, relatando desde o embarque de Ortiz (o autor-narrador-personagem) com seu amigo e fotógrafo Ferreira (que o acompanhará pela aventura) em Porto Alegre até a parada em Amsterdã, a chegada na Tailândia, depois a ida para Laos e, finalmente, a viagem ao Vietnã, quando a história toma novo rumo.

A partir daqui o livro é muito mais do que uma aventura, um relato de viagem, é uma contundente lição de história e humanismo. Ortiz, mais do que procurar no país o exótico de uma cultura outra ou deixar-se maravilhar pelas muitas belezas naturais, ao longo da viagem conhece o palco das mais importantes batalhas da Guerra do Vietnã (ou Guerra Americana, como chamam os vietnamitas) e apresenta ao leitor passagens da milenar (e guerreira) história daquele povo, suas divisões e unificações, a influência/invasão francesa, a influência/invasão comunista, a influência/invasão chinesa.

Com um apanhado amplo, ajuda-nos a compreender como a guerra pôde ser vencida, o que estava em jogo, de que forma a luta influenciou na história mundial e, de quebra, nos leva a questionar que civilização é essa que mata, tortura, destrói o outro e sua cultura em prol de interesses políticos e econômicos.

“Antes de sair do parque, no final do dia, fomos conhecer o pagode de um só pilar, um dos símbolos de Hanói, construído em 1049 pelo imperador Ly Thaí Tong. Em 1954, um dos últimos atos de vandalismo dos franceses, ao abandonarem a colônia, foi destruir o prédio de madeira construído em volta de um único pilar de pedra. Livres dos franceses, os vietnamitas o reconstruíram a partir do material original.”

Não espere, porém, uma leitura difícil. O maior mérito do livro, que pode ser encarado por outros como sua fraqueza, é a leveza da abordagem, pois não esqueçamos que se trata do relato de um viajante inserido num contexto de “aventura”. Em meio a retomadas históricas temos cenas do prosaico cotidiano local, jantares em restaurantes típicos, diálogos com outros brasileiros que passam por lá. A pretensão de Ortiz, afinal, não é fazer um livro de História, e sim contar histórias a partir da História, e daí o humanismo do texto, que olha para as pessoas ao longo do trajeto, repara na menina descalça que os conduz no topo de uma montanha, no argentino que há anos joga futebol no país, no jovem que oferece até mesmo sua moto para ganhar algum dólar.

Ao jornalista e viajante soma-se ao longo do texto o escritor, capaz de condensar em cenas como essa toda uma trajetória:

“Durante a viagem tínhamos visto muitas fotos mostrando os horrores das batalhas, mas nada se igualava às cenas das pessoas fugindo com os corpos em chamas, outras sendo assassinadas enquanto pediam misericórdia deitadas no chão. Muitas, inclusive crianças, umas sem pernas, outras sem braços, algumas com as entranhas de fora, afogadas em sangue, tinham as feições retorcidas pelo horror – os olhos pareciam querer saltar do rosto. Os corpos mutilados, espalhados pela aldeia, provavam que haviam sido torturados, por certo para confessarem onde estavam os vietcongues. Ao fundo do cenário, as casas queimavam. Em primeiro plano, soldados bem nutridos. Com pesadas botas e grossas roupas de guerra a proteger seus corpos, manuseavam armas de última geração. Orgulho da tecnologia industrial da América, eram capazes de matar dezenas de seres humanos em poucas rajadas. Impossível não chorar.”

Já em outros trechos é o olhar crítico do jornalista que aparece ao analisar a situação do país pós-guerra, de uma geração que parece não ter vivido no palco de tantas atrocidades:

“Simpático e prestativo, Chung representava o padrão do jovem vietnamita nascido após a guerra, cuja única ideologia era ganhar dinheiro. Se durante anos infindáveis o Vietnã esteve dividido entre Norte e Sul, entre comunistas e capitalistas, entre cristãos e budistas, agora estava dividido entre os jovens empreendedores, ávidos por ganhar dinheiro, e os velhos, saudosistas da antiga utopia.”

E aos poucos esse narrador-viajante, tão caro à Benjamin, nos envolve com suas experiências e converte-se em personagem da própria história.


O JORNALISMO DE AVENTURA

A peculiaridade estética das obras de Ortiz renderam-lhe o mérito de criador de um novo gênero, o “Jornalismo de Aventura”. Conversando com o autor, ele explica como surgiu esse termo e porque o adotou: “Não fui eu que criei esse nome para definir o tipo de jornalismo que faço nos livros, foram alguns alunos que assim passaram a chamá-lo em seus TCCs sobre os meus livros. Dizem eles que se trata de uma gênero onde o jornalista é, ao mesmo tempo, repórter e protagonista da reportagem, e isso não existia antes. Coloquei esse título no meu site e parece que pegou”.

Outra discussão que seus livros suscitam é a velha questão do que seja literatura. Pergunto se isso o preocupa de alguma forma, e Ortiz responde que todo texto belo, do ponto de vista estético, é literatura. “Quanto a linguagem em si”, sintetiza Ortiz, “gosto de definir assim: a) Jornalismo: você informa; b) Romance: você sugere; c) Poesia: você insinua.

Pergunto, então, se não seria tentador “apimentar” os relatos de viagem com episódios ficcionais, fazendo algo mais próximo do jornalismo literário à Capote. Ortiz responde que não quer misturar as coisas e revela seu próximo projeto: “Acho que criei algo novo no jornalismo, o tal Jornalismo de Aventura, então que ele fique assim como está: puro. Mas estou criando uma nova coleção, que se chamará ‘Expedições Urbanas’. Serão crônicas sobre lugares interessantes em cidades interessantes. Como cronista, vou apimentar meus relatos, puxando para um texto mais literário. O primeiro livro será sobre Havana”.

25/11/2009

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  Marcelo Spalding

Marcelo Spalding é professor, escritor com 8 livros individuais, editor de mais de 80 livros e jornalista. É pós-doutor em Escrita Criativa pela PUCRS, doutor em Literatura Comparada pela UFRGS, mestre em Literatura Brasileira pela UFRGS e formado em Jornalismo e Letras.

marcelo@marcelospalding.com
www.marcelospalding.com
www.facebook.com/marcelo.spalding


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