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Literatura

Renovar as Coisas
Celso Sisto


QUEIRÓS, Bartolomeu Campos de. Tempo de vôo. Ilustrações de Alfonso Ruano. São Paulo, Comboio de corda, 2009. 48p.

 

O tempo, ao correr sobre a superfície humana – corpo, rosto, pele, mãos, movimentos, vida -, deixa marcas aparentes e outras bem escondidas.

Este livro desfia uma série de constatações a respeito do tempo. Um menino vê as rugas no rosto do senhor mais velho e não para mais de lhe fazer perguntas. E cada resposta do velho incita mais perguntas do menino. Quando o assunto começa a pesar, o menino sai, se afasta, vai brincar e volta com novas interrogações. Fica impressionado com a definição de homem de negócios, cansa desse assunto e pede, finalmente, ao velho, que lhe conte uma história de assombração, cheia de terror, que venha de outro mundo e de um lugar sem tempo. Satisfeita sua imensa curiosidade, ele se despede e vai para a escola. E o velho volta-se para o antes, para responder agora às perguntas do menino que morava nele.

O texto é extremamente poético. E há um belo equilibro entre o ponto de vista do menino e do homem em relação ao tempo. Enquanto o menino vê o tempo como um ser com imensa barriga, como linha de soltar pipa ou alguém desconhecido, porque ninguém o apresentou ao tempo, e ainda mais complicado que problema de matemática; o velho preenche as definições comuns (“o tempo não para”) com sua visão mais complacente e doce, do tipo “ele tem medo de não atender aos nossos pedidos, por isso não nos escuta”, “o tempo não tem ninho”, “o tempo troca a roupa do mundo”, “o tempo foge para não ser amado”, “o trabalho do tempo é amadurecer o mundo”.

O velho exercício da perguntação é o fio condutor de todo o texto. Mas apesar da conversa madura entre os personagens, transbordada pela fantasia do menino, é o velho quem narra a história. E ele se duplica como narrador, quando o menino pede uma história de assombração. Temos então uma história dentro da história, uma sofisticação. Ele, por sua vez, conta a história de um homem calado, que vivia numa casa pequena e branca. E que visitava o sono das pessoas, inclusive o sono do menino, cuja vida era um sonho.

O final também é responsável por essa sofisticação, remetendo-nos para o bom jogo de espelhos: quando o menino, interlocutor do velho, desaparece da narrativa, o narrador se volta para o menino interior, vai para o começo de si mesmo. Mas isso não impede que o leitor criança flua o texto! O espanto do menino dá a leveza e a graça necessárias.

As ilustrações são grandes, contrastantes, ora de página dupla, ora alternando-se com o branco da página só de texto. E são oníricas, na medida da liberdade do sonho. São surrealistas também e fazem lembrar as pinturas de Salvador Dali.

O escritor é brasileiro, o ilustrador é espanhol. Ambos são bem premiados. E o tempo acabou fazendo com que eles se encontrassem neste livro, de forma bela. Talvez para constatarem, como o próprio texto nos leva a crer, que o tempo e o susto andam juntos!
 


13/08/2010

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Comentários:

Gostei muito do comentário sobre o livro porque, por bem escrito e gracioso, até poético, ele nos deixa com vontade de ler a obra completa. É bom sabermos o que iremos encontrar quando abrirmos um livro. Este é inclusive filosófico, mas perfeitamente adaptado à compreensão dos pequenos leitores que já estejam habituados aos textos mais longos. E é de auxílio ao adulto que se dedica à educação das crianças, pois sugere argumentos novos a serem explorados nas conversas com os pequenos leitores.
Scyla Bertoja, Porto Alegre/RS 19/08/2010 - 02:32
Gostei muito do comentário sobre o livro porque, por bem escrito e gracioso, até poético, ele nos deixa com vontade de ler a obra completa. É bom sabermos o que iremos encontrar quando abrirmos um livro. Este é inclusive filosófico, mas perfeitamente adaptado à compreensão dos pequenos leitores que já estejam habituados aos textos mais longos. E é de auxílio ao adulto que se dedica à educação das crianças, pois sugere argumentos novos a serem explorados nas conversas com os pequenos leitores.
Scyla Bertoja, Porto Alegre/RS 19/08/2010 - 02:31

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  Celso Sisto

Celso Sisto é escritor, ilustrador, contador de histórias do grupo Morandubetá (RJ), ator, arte-educador, especialista em literatura infantil e juvenil, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Literatura Brasileira, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutor em Teoria da Literatura, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e crítico literário de várias colunas dedicadas à literatura infantil e juvenil, na mídia impressa e on line.

csisto@hotmail.com
www.celsosisto.com/
twitter.com/celsosisto


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