PIROLI, Wander.O matador. Ilustrações de Odilon Moraes. Belo Horizonte, Editora Leitura, 2008. 32p.
UM BODOQUE, MUITOS ALVOS E A INFÂNCIA
A linha que separa a vida da morte é tão tênue, transparente e frágil, que num piscar de olhos, já somos história. E a luta para dominar as coisas do mundo não poupa nem as brincadeiras da infância, que não são necessariamente ingênuas.
No tempo das cidades de antigamente, as crianças brincavam na rua. E a turma de meninos tinha, para enfrentar o mundo, a sua arma: o bodoque. Carregá-lo no bolso, junto com algumas pedras era estar pronto para usá-lo à menor necessidade ou exigência. Mas nem todos eram craques ou certeiros. E com isso, vinham as desconsiderações, as chacotas, as humilhações. E a raiva muda, trabalhando silenciosa, dá sinais de vingança nos jogos de bola e na necessidade, urgente, de provar a igualdade. Pois então, esse menino, que se sentia diminuído pela falta de habilidade com o “brinquedo”, um dia vê-se cara a cara com a possibilidade de mostrar para o grupo que também é capaz de atingir um pardal. Ataca-o, derruba-o, quer reunir os amigos todos, corre, precipita o fim, mas não evita a marca eterna.
O livro é um apelo, talvez desesperado! Com uma linguagem absolutamente enxuta, quase telegráfica, a história é narrada em primeira pessoa: o menino é quem conta sua fragilidade, sua obsessão, seu desespero. O texto “sem gordura”, como afirma Fernando Brant, na quarta-capa, torna a história ainda mais forte, mais contundente. É uma denúncia da crueldade infantil, sem dúvida, mas é também um alerta, uma ferida aberta que ainda sangra. E não deve ser evitada! Por isso, o narrador, já distanciado no tempo, volta à infância.
A edição usa, para o texto, o recurso de tirinhas coladas, como se fossem palavras recortadas de jornal, aumentando ainda mais o poder inflamável da história. A amplidão da página, a amplidão dos espaços de antigamente, o convite para brincar na rua, a descoberta da vida social, tudo parte da liberdade para a cicatriz. O texto talvez seja o curativo.
A imagem utilizada – o passarinho – contrasta, mas não se opõem, à imagem da criança: ambas têm nas mãos a liberdade, ambas têm uma mobilidade sinuosa, ambas tem uma curiosa e alegre constatação das descobertas. Assim poderia ser. Mas não é exatamente.
Um menino que desafia os seus limites, as suas deficiências para se igualar ao grupo e evitar ser o incompetente, o diferente também é um sinal da presença do bullying, para ficarmos atentos aos temas atuais. Ser aceito é a grande questão. Mas e o preço disso?
Impressionam as ilustrações aquareladas. Manchas esverdeadas, puxadas para o sépia, como a remeter-nos para fotografias visitadas pelo tempo. São cenas cotidianas, até bucólicas, ainda mais reforçadas pelos traços ligeiros, muito mais contornos do que preenchimentos, feitos a lápis. A ausência de cores vibrantes, fortes, contrastantes ressalta a mancha vermelha no peito do menino, na última página, como uma tatuagem indelével.
O escritor, premiado, causou polêmica quando lançou, nos anos 70, o livro O menino e o pinto do menino. O ilustrador é aclamadíssimo no mercado livreiro atual. Uma dupla e tanto. Uma história e tanto! Um livro e tanto!
É legal ter vc como artista para escrever historias tão legais e criativas
Daniel, São leopoldo Rio Grande do Sul 01/11/2012 - 09:12
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