Desastres são a bendição ao caos. As chuvas torrenciais e intermitentes que fez com milhares de sapos tomassem conta das ruas de Macondo, bendizeram o sangue e as mortes ocorridas após a repressão multinacional aos grevistas das plantações de banana, e Gabo, em Cem Anos de Solidão, soube mostrar como poucos a força de um desastre e da nova vida que se seguiu. Um outro autor, estreante porém de vigor, Guido Koptike, no seu Enchentes, também trouxe a força das águas para limpar e propiciar terreno novo, reacomodando os espíritos e desejos, outrora turbilhonados em interesses de uma sociedade em transformação.
Para o Haiti, devastado pelo terremoto de 2010, espera-se a reconstrução e a lenta mas segura retomada; para o norte do continente africano, em seu desastre político, espera-se também a reconstrução, democrática e soberana, acima de tudo. Outros tantos desastres nos esperam, de ordem social ou naturais como os mais recentes de São Lourenço do Sul, Japão e Nova Zelândia, e tantos outros ainda serão enfrentados e superados para que a humanidade siga adiante.
Pois desastre é o que se avizinha ao mundo editorial e autoral. A transmutação da circulação do conteúdo escrito para o digital, outrora restrita a jornais, revistas e livros de papel, faz ares de desastre para um mercado sonolento mas poderoso em números. Livreiros, editores e distribuidores, somados há não muitos autores que conquistaram espaço no rico e muito exclusivo mercado editorial, demonstram sinais de preocupação diante da tsunami digital que vem varrendo suas plácidas e monopólicas areias, repletas de direitos autorais e pacíficos acordos encapsulados em dóceis conchinhas.
Não estou sozinho ao afirmar que o mundo editorial-livreiro tremerá em 8.9 graus na escala Richter quando os leitores digitais, seja sob a forma que for, forem gratuitos ou de valor baixo o suficiente para serem adquiridos em algum camelódromo do centro de qualquer grande cidade (faz pouco soube que na rica Europa também existem consistentes camelódromos). A indústria da música, após a fenomenal burrada de haver incentivado a troca do vinil pelo CD como uma nova forma de revender pela enésima vez e sob lucrativíssimos preços todo seu empoeirado catálogo, percebendo o estrago provocado pela digitalização do seu ganha-pão, sai agora a difundir aos quatro ventos e quixotescamente, o valor do disco de vinil frente ao modelo digital por eles mesmos incentivados ad nausean. Parece piada, mas não é.
Faço, por fim, a seguinte pergunta, para onde correrão os poderes políticos e econômicos da atual indústria, quando a livre troca de conteúdo escrito predominar? Quererão rasgar os contratos de direitos autorais? Farão clubinhos escravizando autores e textos para quem puder pagar e poder lê-los com exclusividade? Ou se reinventarão a tempo de compreender que a gestão sobre os direitos de conteúdo diz respeito acima de tudo à formação cultural de toda a humanidade? Em outras e derradeiras palavras, o conteúdo livre somado ao escritor profissionalizado e bem remunerado, serão entendidos como sinônimo de educação acessível e propulsora de novos conhecimentos, sem restrições de poder aquisitivo mundo afora? Teremos instrumentos de auto-educação livremente difundidos? Ou nos arrastaremos nessa tediosa lenga-lenga do fim do livro e da revisão das leis que já deviam ter sido revisadas dez anos atrás? Prefiro esperar a tempestade.
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