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Literatura

Tudo o que invento é verdadeiro
Celso Sisto


BARROS, Manoel de. Memórias inventadas para crianças. Iluminuras de Martha Barros. São Paulo, Planeta do Brasil, 2010. 32p.

 

Continuo acreditando que só a fantasia, a imaginação, o poder da criação são capazes de salvar o ser humano (e o mundo)! E quem não souber exercitar o imaginário desde pequeno, certamente deixará de ser completo. A inventividade tem parcela tão importante na nossa constituição, como a razão e a emoção.

Este livro trata exatamente disto: das peraltagens de um menino criado na roça, em meio a sariemas, berrantes e rios. É através desta proximidade com a terra, com o chão, com os pequenos seres que o autor vai construindo seus textos, porque um dia aprendeu a brincar com as coisas e com as palavras.

O livro é formado de 10 textos. Poderiam ser vistos como crônicas. Mas também são textos que esgarçam os limites entre prosa e poesia. Se registrados como texto corrido, são prosa e são crônicas (sempre poéticas!). Se diagramados frase por frase, são poemas. A poesia completa tudo. Vai além, escorre e ecoa.

Já na epígrafe de abertura, o poeta Manoel de Barros diz: “tudo o que não invento é falso”. E com isso, nos brinda com esse universo de um menino que inventa suas memórias de infância. De um menino que aprendeu a montar-se de pedaços; que fica atônito, porque descobre que as partes de um mesmo ser (como os pedaços de uma lacraia cortada) acabam se procurando e se encontrando, for força de sua própria natureza. Recompor-se é uma coisa estranha, ele diria. Mas é nisto que reside a força poética: Manoel de Barros é urgente para as crianças brasileiras! Principalmente porque neste livro ele deixa claro que o bom da vida é ser sensível, estar “aparelhado para gostar de passarinhos” e com “abundância de ser feliz por isso”.

Como senha para percorrer o livro, está a palavra criada pelo próprio poeta: a invencionática. Só quem é capaz de inventar e inventar-se é capaz de provar que o belo não é necessariamente fruto da racionalidade. Que um caderno, sempre à mão, pode ser uma maneira de compor silêncios e salvar frases com vocação para a beleza (mesmo que da inutilidade).

No texto os temas se sucedem, de modo quase espontâneo. O autor reflete sobre as palavras como “conchas de clamores antigos” (em “escova”); sobre o rio que ganhou de presente de aniversário da mãe (em “o menino que ganhou um rio”); sobre sua vocação para construtor de frases (em “fraseador”); sobre a beleza da linguagem (em “delírios”); sobre o dom dos andarilhos, crianças e passarinhos para a poesia (em “o lavador de pedras”), etc. Em tudo prevalece a brincadeira com as palavras, a possibilidade da imaginação provocar delírios e renovar a linguagem.

As ilustrações são nomeadas iluminuras. Sabemos que as iluminuras são um tipo de pintura decorativa, que eram aplicadas às letras capitulares, nos pergaminhos medievais. Ou referiam-se aos manuscritos decorados com ouro ou prata. Aqui, esta pintura decorativa, feita por Martha Barros (filha do poeta) tem como suporte os tecidos. São quase garatujas, iluminadas pelos contrastes de cores e pelos contornos em preto e branco, de algumas formas. São pequenos desenhos que lembram animais, plantas, ou os primeiros desenhos infantis (com uma influência de Miró?) com cores às vezes aguadas, que se desmancham, e que revelam outras texturas por baixo da transparência. Efeitos que tornam ainda mais belos os textos de Manoel de Barros.

Ao final do livro, nos textos biográficos sobre os autores, fica ainda mais evidente que o poeta denuncia a solidão da sua infância, suas “raízes crianceiras”, para enfim ressaltar a “transfusão da natureza e a comunhão com ela”. Só mesmo tendo um “ermo dentro do olho” e muitos meninos nas mãos!


01/05/2014

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Comentários:

... com um cesto.
Djine klein, Porto Alegre / Viamão 15/05/2014 - 14:26
Celso, concordo com cada letra de teu texto , mas gostaria de acrescentar que além de tudo que é para menino no poeta, ainda é necessário dizer que "As memórias inventadas" são ainda mais pra gente grande, para que redesperte o menino que mora no silêncio de cada um. E fico aqui pensando em ir correndo até a estante, com um certo e colher fruta madura, para esta tarde me daria "O livro das Ignoranças" - Manoel é meu poeta-filoso-pintor preferido.
Djine klein, Porto Alegre / Viamão 15/05/2014 - 14:24

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  Celso Sisto

Celso Sisto é escritor, ilustrador, contador de histórias do grupo Morandubetá (RJ), ator, arte-educador, especialista em literatura infantil e juvenil, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mestre em Literatura Brasileira, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Doutor em Teoria da Literatura, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e crítico literário de várias colunas dedicadas à literatura infantil e juvenil, na mídia impressa e on line.

csisto@hotmail.com
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