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Literatura

O bloqueio criativo
Robertson Frizero

“Eu costumava me desfazer de muitos textos dizendo: ‘Isso não é sensacional’. Não me ocorria então que eles não precisavam ser sensacionais.” (William Saroyan, citado por Joel Saltzman IN If you can talk, you can write, Warner Books, 1993)

            O escritor Joel Saltzman conta que certa vez, quando passava por um de seus mais terríveis bloqueios criativos, ganhou um excelente conselho ao abrir um biscoito da sorte em um restaurante chinês: Para evitar desapontamentos, minimize suas expectativas. Saltzman diz que aquelas palavras fizeram com que ele se recordasse de como havia começado em sua vida a paixão pela escrita: aos onze anos, dedilhando a máquina de escrever sem qualquer preocupação com leitores, editores ou críticos. Naquela mesma noite, ele começou a escrever como fazia quando era criança. Não saíram páginas da mais nobre literatura, mas a vontade e a disposição para voltar a criar seus textos estava retomada. O bloqueio criativo havia desaparecido.

            O pensamento de que o texto límpido e perfeito deve surgir já no primeiro rascunho pode ter efeito paralisante para a maioria dos aspirantes a escritor. Parece existir uma obrigação implícita nas pessoas em relação à escrita, como se todos nós devêssemos saber como e o que escrever. Por sermos letrados e termos passado por um longo treinamento na leitura e interpretação de textos escritos, há em nós essa impressão de que a escrita seria uma habilidade naturalmente derivada de todo esse convívio com os livros. No entanto, os grandes escritores são quase unânimes em afirmar que a arte de escrever é, antes de mais nada, uma arte de reescrever-se – um contínuo processo de avaliação, reformulação e reavaliação do que se produziu. O grande problema é que nosso longo treinamento em leitura passa, justamente, por entrar em contato com esses grandes escritores, que se tornam nossos modelos assim como suas obras passam a ser nossa referência. É inevitável, então, compararmos o que produzimos com o que eles produziram – uma comparação injusta, na qual jamais poderemos sair ganhando.

            O maior inimigo de qualquer aspirante a escritor é o perfeccionismo. Saltzman afirma, com propriedade, que “a melhor maneira de se criar um enorme bloqueio criativo é insistir em ser um perfeccionista”. Ao se ter consciência de que nenhum texto estará pronto em seu primeiro rascunho, aquele que deseja se dedicar à escrita percebe que o importante na arte literária é o progresso e não a perfeição. Ao encarar seu texto como um work in progress, evita-se o desespero de não ver de imediato o resultado almejado – esse virá com o tempo, as releituras, as idas e vindas no texto, as correções inevitáveis.

            Outra fonte de bloqueio criativo diz respeito ao “sobre o que escrever”. Os entraves aqui partem, sobretudo, da autoconfiança. O melhor caminho é sempre escrever sobre o que se sabe, o que se conhece, aquilo que alimenta a paixão do escritor. Mas há os que acreditam que nada do que ele sabe ou gosta é interessante o suficiente para se tornar literatura. E partem em um caminho tortuoso e impreciso de tentar escrever sobre o que não conhecem – como se conhecessem. O resultado é quase sempre desanimador: o texto não convence os leitores, muitas vezes nem mesmo o próprio autor; podem ser corretos, mas soam como aquele quadro no qual as cores estão perfeitamente distribuídas e as imagens são facilmente interpretadas, mas que emoção nenhuma transmitem a quem os vê. Nada impede o escritor de se dedicar a um tema, um momento histórico, uma personagem célebre da qual ele pouco conheça – mas isso exigirá dele que se proponha a fazer uma pesquisa sobre o objeto de sua criação, muitas vezes da mesma forma apaixonada com que se dispõe a estudar os temas que mais lhe são caros.

            É importante para o escritor estar seguro de suas impossibilidades. Ao considerar-se em eterno processo de aprendizagem e reinvenção, o escritor liberta-se. Ao ter consciência de que não há nenhum tema, história ou tipo de personagem jamais explorado pela ficção, o escritor liberta-se. Ao minimizar as expectativas, o escritor evita os desapontamentos que podem paralisá-lo em etapas preliminares importantes – pesquisa, planejamento, desenho de personagens e ambientação, etc. – que nunca se desenham na nossa imagem mental sobre o trabalho dos grandes escritores, os quais, graças à herança do Romantismo, sempre nos pareceram figuras inspiradas pelos deuses e que, pelo sopro divino, erigiam seus monumentos verbais em um único e definitivo ato criador.

            Escrever é uma tarefa que requer preparação e entusiasmo. Erico Verissimo desenhava esquemas detalhados, incluindo croquis e esboços dos ambientes descritos em seus livros. Ernest Hemingway tinha por hábito escrever seus textos e deixá-los “descansar” por meses antes de retomá-los para possíveis ajustes e correções. J. R. R. Tolkien criou línguas imaginárias, com gramática e vocabulário próprios, bem como lendas e mapas que nortearam a sua construção do universo de “O Senhor dos Anéis”, mesmo sem a pretensão de publicar esse material posteriormente – o que só aconteceu por decisão de seus herdeiros, após a morte do escritor. Movia-lhes o amor pela escrita como a forma possível de expressividade para eles, a vontade de colocar no papel as inquietações que lhes afligiam ou as paixões que os moviam. Se não há, no aspirante a escritor, essa mesma disposição de vencer através da escrita os desafios criativos que sua mente lhe propõe, talvez o seu caminho não deva mesmo ser o da literatura – e os bloqueios criativos lhe serão cada vez mais longos, sucessivos e inevitáveis.


31/03/2011

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Comentários:

Direto, pontual, objetivo e claro. Útil e muito bem escrito. Parabéns, Robertson.
José Antônio Silva, Porto Alegre 19/04/2011 - 10:23
Ótimo artigo. Com certeza vai abrir a mente de vários escritores que passam por esse processo. Muito bom mesmo.
Beto Guimarães, Rio de Janeiro/Rj 13/04/2011 - 21:29
Achei ótimo esse texto, nunca tinha lido nada de um escritor falando sobre bloqueio criativo, achei que só nós as mortais é que temos isso! Adorei as idéias e vou ver se sigo as recomendações. Obrigada!
Nayla Campos de Alencar, Esteio/RS 05/04/2011 - 17:14

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  Robertson Frizero

Robertson Frizero é escritor, tradutor e professor de idiomas. Participou da Oficina de Criação Literária da PUCRS, sob a orientação do escritor Luiz Antonio de Assis Brasil, em 2007, ano em que começou a trabalhar com a professora e diretora teatral Graça Nunes na DRAN, a Oficina de Dramaturgia do Theatro São Pedro. Atualmente é gestor cultural da Editora 8INVERSO, para a qual já traduziu e organizou as obras "Dostoiévski - Correspondências (1838-1880)" e "Autobiografia de um Ex-Negro".

frizero@gmail.com
locutoriodofrizero.blogspot.com
twitter.com/frizero


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