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A quem interessa uma sociedade alienada?
Marcelo Spalding

Em tempos de Eleições e Twitter, me espanta a quantidade de críticas, ironias e deboches destinados aos candidatos e à classe politica. Tiririca, pseudocelebridade de gosto duvidoso, tornou-se porta-voz desse pensamento ao afirmar em pleno horario eleitoral: “O que é que faz um deputado federal? Na realidade eu não sei. Mas vote em mim que eu te conto. Vote Tiririca, pior que tá não fica”.
 
Nunca pensei que Tiririca soubesse o que se faz no Congresso, assim como não deve saber como funciona um tribunal, um hospital ou uma universidade. Isso não lhe dá direito a pleitear vaga de juiz, médico ou professor, mas pode, sim, pleitear vaga no mesmo Congresso que debocha (como já o fez Clodovil e tantos outros). Isso é ruim? Não, isso é democracia. Ruim, e muito ruim para a democracia e para a nação, é a alienação declarada de um Tiririca encontrar eco na população, revelando um total desconhecimento do que seja política, ideologia.
 
Evidentemente os escândalos propagados com estardalhaço pela mídia ajudam a afastar o cidadão do fazer político, ampliando a alieanação, mas aí repito a pergunta do título: a quem interessa a alienação?
 
Lembremos que quanto mais enfraquecida a ideologia, mais fortalecido o casuísmo, e mais a sociedade fica vulnerável às mensagens e interesses da grande mídia. Aqui no RS, por exemplo, Ana Amélia Lemos, a mesma jornalista que por décadas criticou os escândalos do congresso, agora candidata-se a uma vaga ao Senado. Será vontade de mudar ou oportunismo? Ou será porque Sérgio Zambiasi, oriundo da mesma empresa, não quis tentar a reeleição?
 
Não estou sendo benevolente com maracutaias e conchavos políticos, mas alguém realmente acredita que nas grandes empresas seja muito diferente? Alguém questiona os absurdos gastos com o salário dos generais do exército, dos ministros do Supremo? 
 
A outra face da alienação é a ingenuidade, e não há dúvidas de que a ingenuidade é muito útil para a manutenção do status quo, para que se continue tendo poucas opções de canais de TV, continue se pagando caro pelo acesso a internet, para que os passageiros de ônibus continuem sendo tratados como sardinhas em lata. E útil também para que a parcela podre dos políticos enriqueça a si e aos seus familiares, para que multinacionais gozem de renúncias fiscais, para que magistrados tenham o direito de julgar o aumento do próprio salário, multiplicando-o.
 
Por outro lado, tenho certeza que a Geração CQC exibe-se nas redes sociais mais alienadas e superficial do que realmente é. Quero acreditar que as pessoas ainda saibam que a diferença entre PT e DEM é de visão de mundo, ideológica, não de jingle, cor ou candidato. E não há bem ou mal, certo ou errado, há apenas formas de pensar a sociedade, e é isso, estritamente isso o que deve guiar nosso voto.
 
Um tema central em qualquer campanha eleitoral deveria ser o tamanho do Estado, discussão secular que opôs republicanos e liberais. O que é melhor, um Estado forte, com alta carga de impostos e intervindo em diversas áreas da sociedade, mantendo bancos para a área financeira, escolas e universidades públicas e gratuitas, garantindo acesso à saúde, ou um Estado menor, com baixo imposto e serviços de saúde, segurança e educação privatizados, pois o mercado saberia se auto regular?
 
Repito, não há bem ou mal, certo ou errado, há visões de mundo. Ingenuidade é o discurso da mídia de que o Brasil precisa urgentemente reduzir impostos, que isso é um roubo, aliado ao discurso de melhoria dos serviços, de que precisamos educação de mais qualidade, saúde de mais qualidade, ampliar os programas sociais. Assim a mídia fica numa posição confortável para tentar agradar gregos e troianos, ainda que saiba ser tudo apenas discurso, pois na prática há uma escolha a ser feita.
 
A mesma mídia, aliás, que aboliu o termo “classes” ou “burguesia” de seu discurso, como se vivêssemos numa sociedade harmônica em que não houvesse ricos e pobres, como se as oportunidades para uns e outros fossem as mesmas, como se não fosse quase impossível para o jovem nascido na periferia ter o padrão de vida da burguesinha ironizada por Seu Jorge.
 
Outro ponto importante: uma vez um professor, falando sobre a diferença e os erros fundamentais do capitalismo e do socialismo, sintetizou a questão numa frase: “é muito difícil termos igualdade e liberdade ao mesmo tempo”. Os regimes ou são mais rígidos e tornam a população mais igual ou o contrário. Pois então, e você, entre a liberdade e a igualdade optaria por qual deles? Claro que ninguém irá implantar o comunismo nem o anarquismo no Brasil, mas algumas pequenas decisões passam por essa questão maior, como a isenção de impostos a ricas universidades privadas, que amplia o leque de opções aos estudantes mas aprofunda a distorção entre o ensino de uns e de outros.
 
Embora essas questões ideológicas apareçam mais na Presidência, este critério para escolher um representante deve valer para todos os cargos, do presidente ao vereador que escolheremos daqui a dois anos. Primeiro escolhe-se uma visão de mundo mais próxima a nossa, depois observa-se quais são os candidatos daquele partido, e aí sim personificamos o voto em um nome, já que assim o sistema político exige.
 
Do mais, não esquecamos que os politicos são um espelho do povo, e se Tiriricas e Amélias forem eleitos será porque a mídia - e sua pasteurização - está obtendo algum sucesso na conquistas do poder de fato, além do já consolidado poder simbólico.

31/08/2010

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  Marcelo Spalding

Marcelo Spalding é professor, escritor com 8 livros individuais, editor de mais de 80 livros e jornalista. É pós-doutor em Escrita Criativa pela PUCRS, doutor em Literatura Comparada pela UFRGS, mestre em Literatura Brasileira pela UFRGS e formado em Jornalismo e Letras.

marcelo@marcelospalding.com
www.marcelospalding.com
www.facebook.com/marcelo.spalding


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