É comum encontrar, nos grandes museus, pintores copiando obras importantes. Eles colocam o cavalete ao lado de um quadro, a caixa de pincéis ou espátulas no chão e literalmente copiam o que está exposto.
Tentam reproduzir uma tonalidade de cor criada pelo artista maior; o sombreamento com o efeito conquistado na tela; a composição, o jogo de luz.
Longe de parecer um simples copista, esse pintor é merecedor de respeito porque precisa ter adquirido a técnica necessária para tentar copiar um mestre.
É uma lição de humildade.
E devia servir como exemplo para esse pessoal que mal descobre uma bateria ou consegue dedilhar uma guitarra e a primeira coisa que fazem é montar uma banda e, com decibéis exagerados, fazem de conta que tocam alguma coisa quando, na verdade, criam barulho.
Na literatura, uma boa ideia é começar lendo. Ler muito, mas leitura para aprender, examinando a construção da frase, a utilização de certos vocábulos, começo e fim de capítulos, conteúdo de parágrafos.
Os tradutores levam essa vantagem quando decidem escrever o próprio texto.
O trabalho do tradutor é copiar. Mas copiar com criatividade, porque traduzir é reescrever. Por tal motivo os italianos fazem um jogo de palavras: traduttore-traditore, tradutor/traidor. Aprender a traduzir texto literário é aprender em dobro o ofício da escritura, transpor para outra língua, com alguns códigos verbais diferentes, a ideia do autor, com a intensidade e a ludicidade das palavras tal como foram empregadas.
Copiar palavras, reescrever a mesma ideia de um parágrafo com outras palavras, um bom exercício.
Quem examina a pintura de um clássico percebe que a colocação dos personagens ou informação plástica, mesmo um risco ou círculo (exemplo: Miró), obedece a um planejamento, uma proposta. Nos quadros dos mestres, o estudo da luz é um ensinamento para fotógrafos, escritores, músicos, teatreiros.
Há um quadro maravilhoso no Museo del Prado, de autoria de Tintoretto (1518-1594), portanto renascentista. Título: O Lavatório. Jesus lava os pés de São Pedro. É um quadro enorme, 2,10 por 5,33. Ocupa o centro de uma parede numa sala própria. O visitante, por acaso ou alertado, examina o quadro da ponta direita, ponta esquerda e ao centro, sempre numa distância razoável, nunca menor que três metros. É incrível como Tintoretto consegue criar três propostas diferentes dependendo do ângulo de visão. Na verdade, são três cenas principais. A que prepondera pela direita, torna-se complementar pela esquerda. Jesus, que pela direita domina a cena, pelo centro ou esquerda transmuda-se em coprotagonista. A par do efeito panorâmico obtido através desses três focos, tem-se, ainda, e especialmente olhado pelo centro, a perspectiva de fundo. Através dos arcos do edifício vê-se uma cena de água e, lá no fundo, um portal.
Mas foi nos museus de Miró e Picasso onde melhor percebi o (lento) progresso dos artistas. Há semelhanças entre esses dois ícones que iniciaram copiando, trabalhos bem feitinhos, porém burocráticos, certinhos, quadradinhos. E, à medida da maturidade, foram ousando. Ambos começaram as obras que hoje admiramos nos seus 30 anos. É perceptível, até mesmo para um ignorante em artes plásticas como eu, esse lento crescimento, esse paulatino desabrochar. Em arte, a pressa é mortal.
Tive um professor que disse uma frase que influenciou minha vida: copiar é a melhor forma de aprender. Há controvérsias, mas é um bom ensinamento inicial.
O artista necessita adquirir técnicas básicas do ofício, realizar tentativas e esperar que o estilo surja ao natural, adquirir confiança e superar a necessidade da crítica favorável. Conseguindo ultrapassar tais obstáculos, decidido a repetir Rainer Maria Rilke (pergunte-se se é possível viver sem escrever), estão poderá criar efetivamente. Os gênios são exceção.
Conforme o testemunho de muita gente boa, perder-se no olhar de pinturas e músicas de grandes autores eleva-nos ao patamar da criatividade, coloca-nos na posição de disponibilidade que permite o inconsciente aflorar.
E se dedicarmo-nos às belas artes com um copo de vinho, então é certo que subiremos às nuvens e talvez surja um poema.
Pactuo de sua opinião, meu futuro Mestre. Basta lembrar que a caligrafia do professor sempre foi utilizada para melhorar a letra do aluno. A repetição conduz ao aprimoramento da técnica.
Att.105
mariza nonohay, Porto Alegre 14/04/2015 - 17:26
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