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O Doutor Capitão Pelino dos nossos tempos
Paulo Tedesco

O Capitão Pelino é um dos bons personagens de A Nova Califórnia, conto de Lima Barreto, autor homenageado com justeza na próxima edição da Festa Literária de Paraty (Flip). Nessa história, ao meu ver, ele representa, de forma paradigmática e sintética, muito da atitude de uma parte da academia e dos críticos literários brasileiros para com novos autores e as novas formas de literatura.

Pois esse Capitão Pelino era “mestre-escola e redator da Gazeta de Tubiacanga, órgão local e filiado ao partido situacionista” e, ainda nas mesmas palavras do narrador, “era sábio, era gramático.” E continua: “ninguém escrevia em Tubiacanga que não levasse bordoada do Capitão Pelino, ele não deixava de dizer: ‘Não há dúvida! O homem tem talento, mas escreve: ‘um outro’, ‘de resto’...’ E contraía os lábios como se tivesse engolido alguma cousa amarga”. Assim, “toda a vila de Tubiacanga acostumou-se a respeitar o solene Pelino, que corrigia e emendava as maiores glórias nacionais. Um sábio...”. Sobre Flamel, um recém chegado e possível desafiador na sua categoria de único sábio local, se manifestava: “vocês hão de ver, dizia ele, quem é esse tipo... Um caloteiro, um aventureiro ou talvez um ladrão fugido do Rio”.

Como melhor descrever a postura de muitos que, por deterem diploma ou título de doutor e se verem também como pesquisadores, saem a bancar-se uma espécie de real Capitão Pelino? É difícil. E a arte da literatura está nisso, em situações e personagens da ficção que dizem o muito e o tanto que a realidade nos apresenta todo o dia.

E é assim que tratam também quem se autopublica ou quem resolve fazer seu próprio caminho literário e até científico. No Brasil, em especial – como herança de um país tão antigo como o de Lima Barreto, que também escreve, quase na mesma toada, o excelente O homem que sabia javanês – esse tratamento arrogante e incrivelmente desrespeitoso termina por afastar o leitor comum da intimidade e da compreensão com o verdadeiro da arte literária.

Não por coincidência que dos livros incensados em concursos literários, muitos rapidamente caem no esquecimento, pois não só temos uma indústria editorial em permanente crise, como temos essa boa parcela da academia a posar de Capitão Pelino. O que mostra que, no Brasil, por vezes, não adianta só concurso, tem que ser amigo de alguém.

Critico as universidades e faculdades de Letras? Não, eu critico o método empregado para quem conquistou uma estranha soberba junto com o canudo, e com isso aumenta a distância das academias, muitas delas públicas, das soluções mais genuínas de que tanto precisa nosso país e nossos pobres.

E qual melhor figura do que a personagem do Capitão Pelino, quando centenas se atiram em concursos, autopublicações digitais e assim sustentam as mais diferentes empresas e iniciativas a lhes prometer sucesso ao fim do túnel? Sim, porque se o mundo do conhecimento institucional não tem a humildade de absorver e dialogar com quem pensa em ter uma carreira literária fora de seus muros, não há outro caminho a não ser ignorar os Capitães Pelinos da vida e arriscar a própria fortuna por um sonho, como o de ser escritor, em particular.


08/12/2016

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  Paulo Tedesco

É escritor de ficção, cronista e ensaísta, atua como professor e desenvolvedor de cursos em produção editorial e consultoria em projetos editoriais, também como orientador em projetos de inovação em diferentes setores. Trabalhou nos EUA, onde viveu por cinco anos, nas áreas de comunicação impressa, indústria gráfica e propaganda. É autor dos livros Quem tem medo do Tio Sam? (Fumprocultura de Caxias do Sul, 2004); Contos da mais-valia & outras taxas (Dublinense, 2010) e Livros: um guia para autores (Buqui, 2015). Desenvolveu e ministra o curso de Processos Editorais na PUCRS e coordena o www.consultoreditorial.com.br atendendo autores e editores. Pode ser acompanhado pelo seu site, pelo Facebook ou pelo Twitter.

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