Ando às voltas com a finalização de um livro que será lançado em breve, DIÁLOGOS, então hoje vou reproduzir uma parte do curso que trata exatamente deles: a linguagem dos personagens nos diálogos.
Assim, procure dar personalidade linguística aos personagens, de forma que a gente saiba quem está falando apenas pela linguagem, pois as pessoas não falam todas da mesma forma, e isso deve se refletir no seu texto. Se o personagem é gaúcho, é possível que ele use não apenas expressões mais estereotipadas como "bah", como também palavras como "guisado", "sinaleira" e "trilegal". Se o personagem é paulista, há grande chance de ele começar uma frase com "então". E se o personagem é português, ele deve utilizar menos locuções verbais. Vale a pena, aliás, conferir neste vídeo como nossos sotaques podem ser tão diferentes:
Para dar personalidade linguística a um personagem o autor deve observar o vocabulário, a organização sintática (gaúcho usa "tu foi", por exemplo"), as expressões idiomáticas (bah, uai) e eventuais alterações semânticas ("não tem portância", "nós semo", etc). Evite alterações ortográficas, pois na fala não há elementos ortográficos, e sim fonéticos. Cuide, também, ao tentar reproduzir na escrita o sotaque, evitando o estereótipo e o preconceito linguístico.
Um bom exemplo de reprodução de sotaque em um texto literário é este abaixo, do livro Enchentes, de Guido Kopittke (trecho impróprio para menores de 18 anos).
Margot carregava nos erres, fazendo sotaque francês. (...) Despiu-se com pressa, olhando para o teto sem ver as goteiras que se infiltravam pelas gretas das tábuas empenadas. Uma sensação de sufocamente oprimia a garganta da moça.
E essa chuva que não para, e esse velho que não goza, a gasolina não vai esperar, falta comprar os cavalinhos de pau dos meninos, mas valeu pelo dinheiro, "ai, metê tudo, meu machô", nunca mais te vejo, velho burro, perdão pela Margot, Paizinho, aquela cama nojenta, tosse filha da puta, catarro filho da puta, "ainsi, ainsi que j'aime", agora está tudo no lugar, dinheiro no bolso e doente no hospital, fedor de remédio, "ui, ui que pau gostosô, mon amour", Mãezinha está feliz, as crianças sem medo, goza de uma vez, seu velho brocha, daqui ao porto são dez minutos.
Note que, no trecho acima, a personagem é caracterizada por uma tentativa falsa de parecer francesa, por isso os trechos sem aspas são os pensamentos dela, com escrita normal. Entretanto, quando ela fala com o homem está marcado entre aspas, e aí há uma tentativa de reproduzir o jeito dos franceses falar, com algumas palavras do idioma e o acento oxítono. O estereótipo, no caso, contribui com a construção da personagem, já que não é uma estrangeira no Brasil, e sim alguém forçando um sotaque que desconhece.
Para terminar, deixo outro vídeo do Porta dos Fundos sobre o sotaque/pronúncia de termos estrangeiros.
19/04/2017
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Comentários:
Caro Marcelo:Tenho andado meio perdido com o
material do curso.Confesso que hoje foi a primeira vez que gozei com o texto. É que tenho
uma ideia de um conto com protagonistas de uma
casa de massagem.Muito bom o diálogo.Rubens Furtado é o meu autor favorito. Manuel M. Pereira, Rio de Janeiro24/06/2017 - 17:26
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Marcelo Spalding
Marcelo Spalding é professor, escritor com 8 livros individuais, editor de mais de 80 livros e jornalista. É pós-doutor em Escrita Criativa pela PUCRS, doutor em Literatura Comparada pela UFRGS, mestre em Literatura Brasileira pela UFRGS e formado em Jornalismo e Letras.
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