Reflexão
Mas não se mata cavalo?
Léo Ustárroz
As lutas de MMA, cada vez mais divulgadas em nosso paÃs e muito apreciadas por alguns públicos, me remetem sempre ao romance do americano Horace McCoy, “Mas não se mata cavalo?”. Publicado em 1935, época da depressão nos EUA, tem como cenário as competições de resistência em maratonas de dança, que premiavam o casal que conseguia ficar em pé depois de vinte, trinta ou mais horas na pista. No cinema se chamou “A noite dos desesperados” e teve Jane Fonda no papel principal. Assisti ao filme em 1969 e, recentemente, li o livro. Recomendo.
UFC (Ultimate Fighting Championship) é o campeonato promovido por uma das organizações americanas de artes marciais mistas (MMA - Mixed Martial Arts). As lutas envolvem mais do que uma mistura de estilos; antes disso, uma liberdade de estilos. Inspirado no “vale-tudo” brasileiro, o primeiro evento aconteceu em 1993, com o objetivo de encontrar o melhor lutador do mundo. As resistências de algumas comunidades e Estados quanto à violência das chamadas "brigas de galo humana" foram diminuÃdas ao serem adotados alguns regramentos mÃnimos. Golpear os rins com os calcanhares, por exemplo, é falta. Com a canela, joelho ou qualquer outra parte do corpo, isso poderia. De um modo geral, o rol de faltas seria hilário se não fosse real.
A discussão sobre os limites das liberdades individuais e o direito de uso de nosso corpo tem acompanhado nossa sociedade com significativos — embora lentos — progressos, distanciando-nos, pouco a pouco, da barbárie. Em algum momento a discussão chegará às lutas de MMA; enquanto isso a dignidade humana continuará levando pancadas de tudo o que é jeito.
Está claro que, em defesa desse “esporte”, alguém sempre poderá alegar: “Mas não se mata cavalo?”.
17/09/2018
Comentários:
Muito bom mesmo, apreciei o conteúdo e a comparação, parabéns!
Ivani Correa , São Paulo-SP 13/12/2018 - 14:01
O artigo é belo sim, mexe com um dos mais antigos temas do comportamento animal. E botas o Homo sapiens no topo desta questão. Sim, Horace McCoy... se mata cavalos, mas sempre há um porquê, ou por pena de nós, pois precisamos de sua proteÃna, ou por eutanásia, por pena deles, quando se quebraram irremediavelmente. Ninguém aprovaria hoje uma matança de cavalos por esporte, só para vê-los estrebuchando ensanguentados. E por que não? Porque não temos nada contra os cavalos! Nenhum cavalo no passado nos humilhou, nos fez sofrer nem nos causou traumas, pelo menos não de propósito... Não sou psiquiatra, sou veterinário, mas ainda assim me arvoro a perguntar: que “transferência” estaria havendo nos miolos de quem vibra com esta barbárie chamada MMA? Quem é na verdade que cada um daqueles torcedores queria ver, sem a mÃnima pena, estrebuchando no chão, batendo as patas na lona pedindo clemência, se declarando derrotado?
Parabéns Léo pelo tema que escolheste. Aposto em ti se quiseres entrar em luta contra os campeões do MMA.
Abaete Bridi , Uruguaiana 17/09/2018 - 15:26
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Léo Ustárroz
Léo Ustárroz nasceu em 1952, natural de Bagé-RS. Com formação em Engenharia QuÃmica pela UFRGS e Ciências JurÃdicas e Sociais pela PUCRS, é empresário, bloguista, e contribui como articulista em jornais locais e sÃtios eletrônicos. Autor dos romances SALA DE EMBARQUE (2016) e RESGATE EM PAMPLONA (2018), pela Editora Metamorfose.
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