Palavras – como roupas, cores ou hábitos – saem de moda. Mas toda moda, no sentido mais amplo, não vive apenas do inédito. Ao contrário, está sempre resgatando do passado próximo ou distante algo que, depois de passar por releituras, será apresentado como novidade. Bem como acontece com a linguagem. Um exemplo é o símbolo de arroba (@), buscado no antigo uso mercantil (e cuja origem pode ser até mesmo grega) para ser aplicado na informática como indicativo de endereço.
Acredito que o mesmo poderá ocorrer com a palavra “cônjuge”. Não há dúvida que ela caiu em desuso – dificilmente encontraremos jovens apresentando aos amigos seus cônjuges. Porém, com os cartórios passando a aceitar o casamento civil de pessoas do mesmo sexo por resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o termo assume uma atualidade ímpar para definir nosso par. Afinal, marido é sempre homem e esposa é sempre mulher, enquanto cônjuge é qualquer um dos dois.
A dualidade da palavra cônjuge consegue uma verdadeira proeza: ela é absolutamente homossexual sem deixar de ser hetero. Ela pode indicar homens e mulheres sem modificar-se. Ao escolher uma esposa (ou melhor, ser escolhido por ela – mas isso já é outro tema), ela será meu cônjuge, assim como eu serei o dela. Se forem duas moças, o encontro também será conjugal. Vale para dois rapazes. Mesmo contra as regras gramaticais, eu sugeriria a partir de agora a adoção dos artigos masculino e feminino, transformando o verbete no primeiro S.g. (substantivo gay).
A utilização do termo cônjuge também terminaria com a ânsia de repetir papeis nessas novas (?) relações. Afinal, deve existir alguém no papel marido entre duas mulheres? É indispensável que, entre dois homens, um seja a esposa? Avançando um pouco mais (nem tanto), hoje, há mesmo maridos e esposas nos casais heterossexuais? Como jamais ocorrera em outros tempos, as relações estão calcadas em pilares equânimes e mimetizados, por isso mais adequados ao título de cônjuge. Conjugar é unir, ligar juntamente. Somente assim têm funcionado as famílias – na base da parceria.
Tal ideia pode ser aplicada para já e em todas as uniões, especialmente nas gays. Ao Juiz de Paz, caberá o novo enunciado: João, aceita Pedro como seu legítimo cônjuge? Maria, aceita Joana como sua legítima cônjuge? Desde que prometam se amar e respeitarem-se enquanto estiverem unidos, só restará torcer pela felicidade do casal.
21/06/2019
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Comentários:
Rubem
Teu argumento neste texto consegue ser preciso, lógico e, ao mesmo tempo, sensível. Características que são bastante difíceis de conciliar.
Gostei muito.
Abraço Lídia Rocha de Macedo, Porto Alegre04/07/2019 - 11:05
Excelente texto. Atualíssimo! Maria Theresinha Gonçalves Mattos, Florianópolis/Sc28/06/2019 - 22:17
Excelente texto, dentro do contexto atual. Tive um
aprendizado. Uma forma elegante dos casais homosse
xuais tratarem-se, socialmente, como no caso de apre
sentar a terceiros. Maria Theresinha Gonçalves Mattos, Florianópolis/Sc28/06/2019 - 22:14
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Rubem Penz
Publicitário, escritor e músico. Orientador da oficina literária Santa Sede, crônicas de botequim - projeto iniciado em 2010 com, em 2018, 14 publicações e dois prêmios (Açorianos de Literatura como Destaque Literário e Livro do Ano AGES com A persistência do amor, Ed. Buqui). Entre outros veículos, foi colunista do Metro Jornal entre 2012 e 2018. Compõe o Conselho Editorial do IEL e o corpo docente da Metamorfose, StudioClio e Casamundi Cultura. Entre os livros publicados estão O Y da questão (Literalis), Inter Pares (Literalis), Enquanto Tempo (BesouroBox) e Greve de Sexo (Buqui).
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