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Resenha

Persépolis, de Marjane Satrapi
Aletheia de Almeida

Persépolis, da Marjane Satrapi é um romance em forma de quadrinhos, um registro particular e pessoal da autora sobre a história de seu país, o Irã. Não apenas da história, mas da cultura, da realidade, do cotidiano, dos costumes. Uma história humana sobre as pessoas ao redor que a viram crescer.

O relato de Satrapi inicia-se quando ela, com 10 anos, vivencia a Revolução Islâmica no país, a troca de regime e as mudanças políticas, econômica, sociais e culturais subsequentes. De uma hora para outra, os grupos escolares são divididos entre meninos e meninas; ela passa a usar o véu obrigatoriamente; e as escolas bilíngues, símbolo do capitalismo ocidental decadente, são fechadas. Isso significa que sua formação laica e ocidentalizada havia sido temporariamente suspensa. Em casa, com sua família, encontra refúgio para todas essas mudanças e um ponto de resistência e sanidade. Claro, é apenas uma criança que precisou adaptar-se rapidamente à dualidade entre uma vida em sociedade, em que impera um forte moralismo tradicionalista e uma patrulha ideológica severa; sobretudo em relação às mulheres; e outra vida privada, em casa, onde é educada para ser uma mulher independente e livre, em que convive com discussões políticas intensas que são o contraponto de sua educação religiosa formal.

Aos 14 anos, seus pais, temerosos de que a violência do regime atinja sua única filha, enviam-na para viver na Áustria. Na Europa, Marjane vê-se deslocada, sozinha, incompreendida. A vida de um estrangeiro é sempre difícil em países crescentemente xenófobos e que desconhecem quase que completamente a realidade do mundo ao redor. Marjane vive quatro anos assim. São anos fundamentais em sua formação e a experiência, apesar de avassaladora e transformadora, não a fixa no exterior naquele momento; ao contrário, leva-a de volta para casa, aos 18 anos. A autoimposta cobrança pessoal e a sensação de fracasso, por não ter realizado grandes feitos, durante sua estadia fora do país natal, associadas à situação de destruição total em que se encontrava o Irã, tudo isso dificultou a readaptação de Marjane aos costumes locais. Como dar importância e significado a seu sofrimento, típico da idade e agravado pela condição de imigrante do “Terceiro Mundo" --- expressão que ela mesma utiliza ---, diante da catástrofe política e social e das dezenas de milhares de mortes que a guerra Irã X Iraque deixou como herança? No seu retorno, era ocidentalizada demais para os padrões iranianos; mas iraniana demais para continuar vivendo na Europa. Um sentimento de fracasso, sim; mas, sobretudo, de total deslocamento identitário. O relato vai até os 21 anos de Marjane. Ela ainda revela como foi sua passagem pela universidade, como se casou aos 19 anos, como se divorciou e como deixou de vez o Irã para viver na França, onde está até hoje.

Marjane, claro, oferece seu ponto de vista sobre o que aconteceu no país, no período retratado; é uma contadora de história perspicaz, inteligente e muito bem-humorada. Há passagens hilárias, principalmente aquelas que descrevem o controle e o zelo ideológico do Estado quanto aos costumes e ao comportamento das mulheres. Acrescentaria, também, como marcantes, os momentos em que narra a obrigatoriedade do uso do véu, em que lança questionamentos e rememora invencionices típicas da infância, em que descreve os costumes iranianos e em que resgata a forma como via os estrangeiros e como ela era vista. O traço do desenho do cartoon é simples e direto e, de fato, revela muitas expressões dos personagens, compondo a história. A tradução de Paulo Werneck é primorosa e fiel ao relato. De fato, um livro delicioso, com personagens autênticos e graciosos, como a avó de Marjane, que têm tiradas sensacionais.

De minha parte, me identifiquei do começo ao fim com a história e com a autora, apesar de o cenário iraniano estar muito distante das minhas próprias experiências. Eu era uma criança exatamente como aquela: fervorosa, engajada, curiosa, adorava ler e entender a realidade ao redor. Aliás, como ela, vivia lendo coisas que hoje estariam fora da indicação etária apropriada, principalmente os clássicos. Entendia pouco, mas sempre tentava absorver qualquer coisa ao máximo. Era apaixonada pelas ideias e pelos heróis com grandes ideias. Apesar de não ter convivido com os horrores da guerra, Marjane me fez resgatar quem já fui um dia, me deu um novo alento e me fez lembrar, igualmente, de que há muito ainda a realizar e viver.

22/07/2021

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  Aletheia de Almeida

Aletheia de Almeida é mestre em Relações Internacionais e há um bom tempo atua profissionalmente na área de cooperação internacional, no governo brasileiro. Natural de Brasília, já morou em Buenos Aires, Atlanta e Rio de Janeiro. É apaixonada por seus dois filhos e pela literatura. Seus maiores prazeres são ler, viajar, tomar um bom vinho e exercitar (se tudo junto, melhor ainda!). Sua meta na vida é alcançar todo e qualquer equilíbrio. Quem sabe pela escrita?

aletheiaalmeida@gmail.com


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