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Escrita

Mostrar e Contar, e Confiar no Leitor
Caroline Rodrigues

Diversas pessoas têm escrito sobre o mais famoso clichê de escrita, o "mostre, não conte". Nessa altura, acho que nós todos sabemos que o conceito por trás disso é muito mais complicado do que essas três palavras implicam literariamente. Entretanto, mesmo para escritores que são excelentes em "mostrar" há, com frequência, um problema com o contar, e isso não é resultado de uma falha em usar imagens vívidas e concretas ou de qualquer tipo de deficiência técnica. Ao contrário, vem da falta de confiança em si mesmos e no leitor. Quando isso acontece, o que temos é mostrar e contar, um problema bastante comum entre jovens escritores.

Vou lhe dar um exemplo:

"Ela trouxe o bebê para uma delegacia de polícia e entregou-o. O oficial estava feliz e orgulhoso por estar envolvido em um caso que envolveu vida ao invés de morte. Ele providenciou mamadeira e fraldas e foi pessoalmente bater na porta de cada casa da cidade para procurar pela família do bebê."

A primeira frase é bastante inócua e meramente estabelece a cena. A segunda frase nos fala sobre as emoções do policial que recebe o bebê, enquanto que a terceira frase nos mostra o que o policial fez assim que ele recebeu essa criança. A segunda frase é, basicamente, contar, enquanto que a terceira frase é mostrar.

Esse é o tipo de escrita que eu geralmente vejo nos meus alunos, mesmo nos alunos mestrandos em escrita criativa, que conhecem a diferença entre mostrar e contar, que sabem que as ações do policial fazem muito mais do que a simples enumeração das emoções que ele está sentindo, mas que também não confiam que nos mostrar essas ações é fazer o que deveria ser feito. Esses escritores não confiam neles mesmos e também não confiam em seus leitores.

É bem fácil entender por que um escritor possa pensar dessa forma. Escritores que estão iniciando sua jornada não têm um histórico de leitores recebendo seu trabalho de forma positiva. Claro que isso acontece, mas é mais provável que tenha havido muito mais críticas relacionadas ao que melhorar na escrita do que comentários positivos sobre o que está dando certo. Essa é a natureza de escrever - leva um bom tempo para desenvolver as habilidades certas, mas também leva um bom tempo para confiar que aplicar essas habilidades é fazer a coisa certa para a história. Mesmo para uma pessoa que conhece esse conselho clichê e que consegue detectar deslizes em escritas de outras pessoas - nunca é a mesma coisa em relação à sua própria história.

Quando tem a ver com confiar em leitores, o problema está relacionado, mas é mais como um medo de ser mal interpretado. Escritores experimentam poucos sentimentos piores do que o de alguém ler a sua história e não chegar ao efeito que eles queriam. Além disso, ninguém quer que a história seja trabalhosa, seja algo que exija dos leitores um esforço ao invés de ser algo para desfrutar. Consequentemente, nós quase sempre incluímos muito mais do que é necessário, só para ter certeza, e que geralmente resulta em contar.

Com tudo isso em mente, aqui vai uma possível revisão do exemplo acima:

"Ela trouxe o bebê para uma delegacia de polícia e entregou-o. O oficial pegou a criança com as mãos que ele geralmente usava para preencher registros criminais de adolescentes rebeldes e conduzir velhos bêbados em direção à cela. Ele encontrou mamadeira e fraldas e, no dia seguinte, bateu na porta de cada casa da cidade para procurar pela família do bebê."

Esta versão foca nas ações do policial, mostrando sua reação ao ter o bebê sob seus cuidados. Ao contrário da primeira versão, ela confia que as ações por si só comunicam o que o policial fez e também como ele se sentiu, a alegria e o orgulho que nos é contado no primeiro exemplo. Permite o tipo de profundidade de compreensão que escritores buscam ao "mostrar".

O resultado de tudo isso é “falar é fácil; o difícil é fazer”: confie em suas habilidades e confie que o leitor vai chegar à sua escrita de coração aberto e pronto para receber o que você tem a dizer. Dê a si mesmo e ao seu público o benefício da dúvida. Mas e o que acontece quando você erra?

É aí que entra uma boa comunidade de apoio em escrita. Uma oficina de escrita criativa, um grupo de amigos escritores em quem você confia - qualquer um que possa te dizer que os momentos em que você saiu do contar e pensou que estava claramente mostrando uma turbulência emocional da personagem não é o que você está fazendo. A maioria dos editores e editoras não vão fazer isso, eles só vão rejeitar as sua história (não os julgue, eles recebem tantas submissões que seria impossível criticar a escrita antes de rejeitá-la). Então, você precisa ter pessoas em quem possa confiar profundamente em relação a como resolver o problema. Isso, é claro, tem tudo a ver com ser escritor.

Aqui vai um último exemplo:

"A mãe de Ashley não podia ser mais diferente do que seu pai. O pai dela pedia poses para cada foto, refinando a imagem perfeita antes de tirar a foto, então empilhava as fotos no computador, curando e editando, às vezes voltando àquelas que ele tinha tirado anos atrás para um retoque. Sua mãe, ao contrário, tirava uma foto rápida e botava no Instagram imediatamente."

Você quer ser o escritor que confia em si mesmo a ponto de cortar aquela primeira frase, deixando a imagem das próximas duas mostrar como aquela mãe e aquele pai são diferentes um do outro. Você quer confiar que o leitor vai chegar àquela conclusão, "tipos diferentes de pessoas", sem que você tenha dito isso. E você quer ter uma comunidade para ajudar quando você errar.

Se você está neste site e está lendo este artigo, você sabe o que "mostre, não conte" significa. A pergunta mais avançada é se você confia em si mesmo e em seus leitores o suficiente para aplicar de verdade isso na sua escrita. Na minha experiência, a maioria dos escritores deveria - eles são melhores do que eles pensam.

***

Tradução feita com exclusividade por Caroline Rodrigues. Se você tem interesse em traduzir seus textos, confira o trabalho da autora em www.carolinerodrigues.com.br

Confira a publicação original em inglês em https://litreactor.com/columns/show-and-tell-and-trusting

03/05/2022

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  Caroline Rodrigues

Caroline Rodrigues é tradutora e escritora. Nasceu em São Sebastião do Caí/RS, em 1977, e atualmente mora em São Leopoldo/RS. Formada em Letras, Mestra em Linguística Aplicada e Pós-graduada em Tradução. Egressa do Curso de Formação de Escritores da Metamorfose, tem contos publicados em antologias da editora, publica textos em seu blog, na Revista Parêntese e no blog da Escritor Brasileiro. É autora do livro de contos Sempre tem uma cachoeira, pela Editora Metamorfose. Em 2022, participa da Oficina de Criação Literária da PUCRS.

caroline.letras@gmail.com


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