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Escrita

Herança vocabular africana
Solon Saldanha

São muitas as línguas e os dialetos falados no continente africano. Há estudos que apontam que são mais de dois mil. E o contingente enorme de homens e mulheres que de lá foram trazidos à força para o Brasil trouxe consigo esta riqueza, que resultou também na incorporação de centenas de palavras ao português que oficialmente é falado por aqui.

Antes de serem dados exemplos destes termos e seus significados, se deve destacar que um dos principais troncos linguísticos existentes por lá é o banto – isso na nossa grafia, pois na deles é bantu –, que abriga por volta de 680 destas línguas e dialetos citados. Mais do que isso, designa um grupo de povos e culturas da África Central, especialmente regiões que hoje compreendem Angola, Cabinda, Congo e Gabão. Quanto às línguas bantas, as mais importantes, devido ao número de falantes, são suaíli, zulu, ruanda-rundi e ndau-shona.

Interessante destacar que os povos bantu acreditam na existência de um criador único – são monoteístas –, em espíritos ancestrais e entidades que são associadas a locais e situações específicas. Este foi o pilar que, trazido pelos escravizados, resultou na formação aqui no Brasil das manifestações religiosas Umbanda, Reinado e Candomblé de Angola.

Feitas essas digressões, vamos para as palavras que herdamos. Das línguas quicongo, quimbundo e umbundo, por exemplo, vieram bagunça, moleque, dengo, gangorra, cachimbo, fubá, macaco e quitanda, para citarmos algumas. Os povos jejes e nagôs, que falavam o fon e o iorubá, nos deixaram acarajé, gogó, jabá e muitos outros vocábulos. São tantas as expressões que se usa no cotidiano sem nos darmos conta de onde vieram que faltarão aqui centenas delas. Vamos a mais algumas: axé, bafafá, cachaça, dendê, fuxico, berimbau, quitute, cangaço, quiabo, corcunda, batucada, senzala e zabumba.

Se o samba pode ser considerado a mais brasileira das manifestações musicais, seu nome é totalmente africano. E outra preferência estética nacional também foi nominada com um termo daquele continente: não fossem os negros e bunda seria aqui apenas nádegas, como se fala em Portugal. Outras trocas seriam o cochilar pelo "dormitar" português, e o caçula – que vem de kasule, último filho – que viraria um complicado "benjamin". Aliás, como Benjamin aqui é nome próprio, se em Lisboa um fosse assim batizado sendo também o último, seria ele chamado de "benjamin Benjamin"?

Outra curiosidade é quenga, que em quimbundo significa tacho, vasilha feita com a metade de um coco aberto e sem polpa. No Nordeste virou sinônimo de prostituta, numa alusão de não ter nada na cabeça quem escolhia tal "profissão". Como se a maioria dessas meninas e mulheres tivesse mesmo outra opção. Vejamos outros exemplos: bamba é mestre, exímio. Assim, bambambã surgiu da duplicação da palavra, designando alguém ainda melhor, um "super bamba". Banguela vem do nome de uma cidade litorânea de Angola, onde seus habitantes tinham o hábito de, no passado, serrar os dentes incisivos. E marimbondo é vespa.

É enorme a contribuição em termos que são ligados à família, à religião, suas músicas, brincadeiras e hábitos cotidianos. Muitos atribuem essa facilidade de assimilação ao jeito malemolente do seu falar, lento e cheio de ginga – essa também uma palavra africana para girar, bambolear. Sendo ou não correta a hipótese, temos muito a agradecer por isso ter acontecido. Então, mesmo tendo eu aqui sido insuficiente no número de exemplos que poderia dar, deixo um saravá (interjeição equivalente à salve!) e repito o termo já usado acima, o axé, como um desejo sincero de muita força e energia, o que deseja essa saudação.

Texto originalmente publicado no blog https://virtualidades.blog/


02/12/2024

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  Solon Saldanha

Solon José da Cunha Saldanha, graduado em jornalismo, tem especialização em Comunicação e Política, além de mestrado em Letras. Com experiencia na mídia impressa, rádio e assessoria de imprensa, atua como revisor estilístico de textos e professor universitário. Escreve contos e crônicas.

solonsaldanha@gmail.com


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