Encontros, cantadas, coincidências, jantares, mentiras, equÃvocos, gemidos, farsas, decepções. Esse é o universo do texto de Luiz Fernando VerÃssimo, escritor que talvez melhor tenha representado a vida privada da classe média brasileira, apontando sempre com bom humor suas pequenas tragédias, seus prosaicos conflitos. Não há espaço para Deuses, heróis, vilões, tampouco para incestos, estupros, seqüestros, a contÃstica aparentemente simples de VerÃssimo alimenta-se do trivial ou, como diriam os estudiosos, da nossa diária ilÃada doméstica.
Não por acaso VerÃssimo é dos mais lidos (com prazer) nos bancos escolares, e já deve ter assistido duzentas mil montagens amadoras de seus contos nos pequenos auditórios colegiais, porque seu universo temático se presta sobremaneira aos palcos, onde o diálogo ganha rosto, entonação, vida. E por isso mesmo não é fácil representá-lo, não é nada fácil levar ao palco o humor fino das entrelinhas de suas crônicas, humor que muitas vezes se encontra no não-dito, no silêncio, não um humor para gargalhadas, e sim um humor de riso constrangido, da identificação direta e constante.
Diferenças habilmente contornadas por Dilmar Messias, diretor de “O marido do Dr. Pompeu”, talvez a peça profissional que há mais tempo leva a comédia da vida privada de VerÃssimo para os palcos, decerto a mais badalada. Profissional experimentado, Messias encara o desafio e consegue arrancar gargalhada do público, especialmente o masculino, mantendo a verve e o tom das comédias da vida privada a partir de uma história única com começo, meio e fim, fugindo da solução fácil da mesclagem de esquetes.
Além dessa costura que “O marido do Dr. Pompeu” faz de algumas das mais conhecidas crônicas, costura escrita por vezes pelo próprio VerÃssimo, o autor é transformado em personagem da peça. Isso mesmo, interpretado por Zé Victor Castiel, nosso LFV narra o desenrolar da relação entre Dr. Pompeu, interpretado por João França, e Nara, vivida pela bela Fernanda Carvalho Leite, relação que pode-se resumir em poucas linhas: os dois se conhecem na sala de espera de um consultório dentário, depois se reencontram casualmente num restaurante e iniciam a odisséia doméstica da paixão ao casamento à separação.
Entre os acertos da adaptação está, necessariamente, o trabalho dos atores. Já na primeira cena, Zé Victor encarna VerÃssimo, encarna mesmo, roupa, rosto, feições, timidez, surpreendendo a quem teve a oportunidade de conhecer o filho de Érico. “Compus o personagem a partir do próprio VerÃssimo e gosto muito dele, foi meu único prêmio Açorianos ao longo da carreira”, conta Zé Victor, simpático dos palcos ao camarim. O ator contou, ainda, que apesar de VerÃssimo ter colaborado no texto final e escrito algumas costuras, jamais assistiu a peça: “a famÃlia toda dele já nos viu ao longo desses dez anos, mas ele não”.
João França e Fernanda Carvalho Leite interpretam o casal protagonista da narrativa, e muitas vezes garantem as gargalhadas do público que o texto de VerÃssimo, pela sua natureza, sozinho não o faria. Alternando simplicidade e caricatura, como na impagável cena de choro da esposa traÃda, o casal demonstra sintonia e segurança, motivo pelo qual a identificação do público masculino com o canastrão Dr. Pompeu é instantânea, e a figura da bela e, digamos, complicada esposa, também. Porque são figuras, tipos, situações absolutamente corriqueiras, comuns, domésticas.
A vida, como diria a personagem VerÃssimo ao final do espetáculo, “cabe numa folha de diálogo”. Pelo menos quando o autor do diálogo é um mestre como Luiz Fernando e, o público, formado pela nossa por vezes previsÃvel classe média.
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