FRANÇA, Eliardo. O rei de Quase-Tudo. 15ª ed. Ilustrações do autor. São Paulo, Global, 2011. 24p.
A eterna insatisfação de quem se acostumou a ter tudo o que quer é que gera atitudes arrogantes, autoritárias e de intolerância. É o poder, por vezes, que conduz a isso!
Neste livro, o Rei de Quase-Tudo tinha quase tudo, mas não estava satisfeito. Quando já tinha todos os exércitos, todas as terras e todo o ouro do mundo, quis possuir também todas as flores, todos os frutos, todos os pássaros, bem como todas as estrelas e o sol. Mas é aí que nosso Rei se frustra, pois descobre algo muito importante: o mundo também é feito de coisas invisíveis, que não se deixam aprisionar; e ter não é a mesma coisa que possuir. Com isso, ele descobre também uma maneira de recuperar a beleza do reino e a alegria.
Esta obra representa um marco na literatura infantil brasileira, pois veio à tona em um momento político muito complicado e serviu de metáfora para falar do abuso de poder. Com os militares no comando, o país vivia sob a égide das perseguições, expulsões, torturas, mortes, desaparecimentos e exílios. Eram os anos de chumbo da ditadura militar no Brasil.
A obra também pertence à categoria de histórias que possibilitam uma infinidade de leituras e uma altíssima fruição para qualquer tipo de leitor, seja criança ou adulto. O que ela esconde em suas entrelinhas, percebido ou não, só potencializa ainda mais o texto aparente. Disso é que advém o grande prazer da leitura.
De modo enxuto, rápido, mas não superficial, o texto passa do concreto para o imaginário, sem muita explicação: “estrelas foram aprisionadas”, “o sol perdeu a liberdade”. Esse jogo espontâneo é que encanta o leitor. E a partir disso, todos os contrastes se organizam na obra: o ser e o ter; o visível e o invisível; o palpável e o intocável. E fica mais forte a exploração da brincadeira advinda do uso da expressão “quase tudo”, que além de nomear o reino, anuncia ainda o patrimônio do seu monarca.
Não há um só diálogo na história e o conflito chega ao ápice não por um embate dos personagens, mas gerados pela feiúra, tristeza e escuridão. São essas “imagens” que promovem o restabelecimento do equilíbrio e da harmonia, produzindo a equação final: ter paz é ter tudo.
As ilustrações, na base da aquarela, exploram as cores quentes e os detalhes (o punho de uma espada, um jarro de vidro, uma ramagem contra o arco do sol, etc.). Os personagens são figuras achatadas, narigudas, com jeito de caricaturas e reforçam a solidão do poder. O Rei é basicamente o único personagem do livro. E as formas “apequenadas” das pessoas remetem para o achatamento provocado pela ganância, obediência cega, manipulação inescrupulosa. Intercalando fundo branco e página somente ilustrada, o livro constrói sua dinâmica.
Eliardo França, autor do texto e das imagens, é super reconhecido na literatura infantil, muito mais por suas ilustrações do que por seus textos. Dedicou-se, quase sempre, a ilustrar os textos de Mary França, sua esposa. O leitor brasileiro bem que merecia mais textos dele, que é tão bom autor quanto ilustrador.
Este livro coleciona prêmios: bienal de Bratislava, Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, Unesco, IBBY, etc. Agora, na 15ª edição, está um pouquinho maior no formato e mudou de editora. Mas continua sendo uma obra urgente e importante!
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