AGUSTONI, Prisca. O mundo começa na cabeça. Ilustrações de Tati Móes. São Paulo, Paulinas, 2011. 24p.
As árvores precisam da raiz para crescer! Os cabelos também! E os penteados, em muitos lugares do mundo, têm seus significados, além de funcionarem como uma espécie de escultura viva, para muitas mulheres de origem africana. Aprender com os familiares, o segredo e a arte de enfeitar a cabeça é também cultivar a feminilidade e as histórias. É também testemunhar “o milagre da transformação da palavra em gesto”.
Minosse, uma menina de 10 anos, que vive numa família governada por mulheres, aprendeu, desde cedo, com a mãe, a avó e as tias, a cuidar dos cabelos e a fazer penteados novos. Primeiro treinava em seus próprios cabelos, e depois, passou a cuidar dos cabelos da irmãzinha, e mais tarde, a praticar também em todas as mulheres da família, dando asas à sua imaginação. O ritual dos penteados é testemunhado por Lucas, o irmão menor, que encantado, ouve atentamente as histórias que Minosse conta, enquanto modela os cabelos da pequena Cida, ou enfeita a cabeça das mulheres da casa. Os penteados criados pela menina são inspirados nos estímulos fornecidos pela natureza: dia nublado, dia iluminado, etc., e acabam despertando o interesse das outras meninas na escola, principalmente por guardarem consigo a tradição e as histórias que serão para sempre lembradas...
Estamos diante de um livro muito delicado. O texto, elaborado de uma forma poética, tem o mérito de criar de imediato, essa aura de beleza e cumplicidade, proximidade e afeto.
O que a história mais ressalta o tempo todo é a voz feminina, portadora de uma tradição, que é compartilhada no âmbito familiar, para então ser propagada e atravessar os tempos.
Outra beleza do livro é comparar o ritual dos penteados com a raiz das histórias; criar com palavras fica sendo como o ato de entrelaçar, adornar, enfeitar, perfumar, convidar ao “toque”; criar penteados é também ouvir a voz do coração, exercitar a paciência, dar cor ao pensamento.
E mais, o livro também defende a ideia de que o cabelo conta quem somos e, convoca os leitores a aprenderem a arte de ler o rosto das pessoas.
Mas, são as palavras da narradora que ficam ecoando, enquanto num só tempo definem o que é a narrativa oral e qual é a sua função: “Minosse aprendeu desde cedo a encenação das palavras, adereços preciosos que enfeitam o tempo”. Uma linda afirmação!
A história que começa na beleza da liberdade da protagonista vai se espalhando devagar, nos contatos que as mulheres estabelecem, nas interações que valorizam as origens, na partilha da sabedoria, e acaba por virar felicidade.
As ilustrações são igualmente tênues e delicadas; os traços de grafite são complementados por cores aquareladas, contrastando quase sempre com o fundo branco da página. Os verdes e os azuis também funcionam como reforço da ideia de origem, de renascimentos, de raízes, de tempo. A indumentária dos personagens também é um destaque, bem como os ângulos das imagens, que se misturam e se entrelaçam.
A autora é italiana e leciona na Universidade Federal de Juiz de Fora. A ilustradora é de Recife e vem da área do Design Gráfico. O encontro multicultural delas, neste livro, rendeu uma bela obra.
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