artistasgauchos












Desenvolvido por:
msmidia


Leia o novo conto de Caio Riter: Encontros no Café
Caio Riter


O escritor empurrou a porta do café e entrou. Os olhos percorreram as mesas pouco ocupadas e pararam no rosto do jovem. Pela forma como o olhava, só podia ser ele. Todavia, não julgou que o leitor que lhe havia enviado aquele e-mail e dito aquelas palavras de elogio pudesse ser alguém tão jovem. Pensou, por um breve momento pensou, em recuar, em dar as costas, em empurrar novamente aquela porta e sair para o frio da rua, que lhe parecia mais acolhedor do que aquele quente dos olhos do garoto.
 
Mas não.
 
Fora reconhecido, sabia. E o jovem, assim mesmo, pleno de juventude, abriu sorriso e lhe acenou com a mão. Depois, ergueu-se, mas não veio ao seu encontro. Ficou lá, ao lado da mesa, à espera. À sua espera.
 
O escritor, então, sorriu. E fez o que achou que devia ser feito, o que tinha que ser feito: dirigiu-se à mesa, apertou a mão que o garoto lhe estendia e sentou-se.
 
Agora, atirado em sua cama, o livro aberto entra as mãos, pensa no garoto do café. Sabe que tem demandas para dar conta, sabe que tem aquela crônica para enviar ao jornal, sabe que tem que telefonar para a filha a fim de resolver a questão da matrícula na faculdade, mas sabe também que o garoto que encontrou à tarde e que não lhe sai do pensamento tem a mesma idade de sua filha.
 
- Quanto anos tu tem?  ele havia perguntado ao seu leitor. Olhos naquele rosto claro, naquele sorriso solar. E, de fato, o jovem respondeu aquilo que ele julgava ser resposta.
 
- Dezoito.
 
Era um menino. Dezoito anos, tinha o seu leitor. Talvez, seus demais leitores  aqueles que o cumprimentavam na rua, aqueles que frequentavam suas sessões de autógrafos (cada vez mais esparsas), aqueles que adquiriam seus romances e faziam dele um autor consagrado  fossem mais velhos, mais curtidos pela vida para apreciar as tantas dores que ele apresentava em seus romances. A dor do viver o atraía e o fazia mergulhar em sofrimentos muitos. Pessoas tristes, falhadas, marcadas pelo fado da solidão, ou da dor, ou da doença, ou do abandono, essas sim o atraíam como autor. Não um jovem de riso franco, de palavras por vezes tolas, por outras tão maduras. Seres tortos o seduziam como personagens. Não, meninos ainda imberbes. 
 
Havia pouco sinal de barba no rosto do garoto que o olhava com um misto de admiração e respeito. E expectativa. Estava ali, diante dele, o escritor sabia, a possibilidade que o jovem, talvez, não tivesse esperado quando enviou-lhe o e-mail que elogiava sua escrita e que, num post scriptum tímido, dizia que gostaria muito de conhecê-lo e de, quem sabe, receber autógrafo em livro. E o escritor, desentendendo a ação, agora quando pensa sobre ela, viu-se respondendo afirmativamente, aceitando o convite para o café. Afinal, os dias andavam frios, naquele julho, e ele andava desejoso de palavras sobre si, sobre seu escrever.
 
Todavia, não julgou que seu leitor tivesse a idade de sua filha e tampouco aquele sorriso. Não esperava um jovem aparentemente feliz, a correntinha de ouro, pendendo sobre o blusão preto. O crucifixo marcando o peito, o coração.
 
Pensa nele, mais uma vez. Vê seu rosto nas páginas do livro, imagina-o, agora, também deitado em sua cama, sabe-se lá em que bairro da cidade, a ler e a reler o autógrafo que ele lhe deu, em caneta vermelha, na página inicial do seu mais recente romance, aquele que a crítica incensou e disse que dará um grande filme, caso algum cineasta se interesse. Autógrafo o mais difícil. Apenas na despedida, o leitor lhe estendendo novamente o livro.
 
- Foi pra isso que nos encontramos, não?
 
- Sim, sim  O escritor falou e pegou o livro nas mãos e, aí sim, as palavras brotaram espontâneas, leve promessa.
 
 
Ao sair de casa, tinha em mente que iria encontrar um homem maduro, mais velho que ele, com certeza, pelas palavras que digitara; o vocabulário não era o de um jovem de dezoito anos, pelo menos não o que o escritor esperava de um jovem de dezoito anos. Não sabia o teor da conversa, não especificamente, já que acreditou que falariam de seus livros, de sua trajetória, das dificuldades que teve para publicar o primeiro romance, da relação com os leitores, que era, afinal, o que costumavam lhe perguntar em palestras ou mesas-redondas das quais fazia parte. Algo que, aliás, cada vez mais o incomodava. Aquele tanto de gente a lhe ouvir, a fazer perguntas, a pedir um autógrafo especial. Por isso, aceitou o convite: um café com um leitor, conversa informal e reservada. 
 
Isso é o que diz para si mesmo agora, após a surpresa do brilho dos olhos daquele jovem que nada lhe perguntou sobre livros. Apenas elogiou sua escrita e, depois, falou de si mesmo, falou da vida desregrada que vivia, da dificuldade que a mãe tinha para sustentá-lo. Falou também, e muito, de seus sonhos. E o escritor, que se julgara assunto, tornou-se, diante daquele belo jovem, ouvinte. E foi bom.
 
 
Agora, na cama, o relógio marcando o passar do tempo, o escritor se vê jovem no há muito. O passado, que um dia foi esquecimento, volta com força. Seria aquele jovem eco do que um dia ele foi? Por vezes, parecia que sim. Em outras, ele suspeitava de que o seu leitor trazia coisas novas ou despertava antigas. E ele, em seus mais de quarenta anos, viu em si o desejo de rever aquele sorriso, aquele brilho no olhar, aquelas palavras que iam mexendo com coisas adormecidas.
 
Ergueu-se.
 
Precisava ser palavra. Redigiu um e-mail. Outro. Mas não foi envio. Deixou ali, no rascunho, para quem sabe. Fazia tempo que essa sensação de quem sabe não o habitava mais.
 
- Quero um suco.
 
- Eu, um café. Expresso  disse o escritor. E sorriu, sem saber bem o porquê.
 
- Não tomo café. Não consigo gostar.
 
- E gosta do quê? - A pergunta não feita ficou guardada no dentro do escritor. Tinha que dizer algo, mas não sabia bem o quê. O jovem, na percepção de que espaços deviam ser preenchidos, retirou da mochila um livro, um livro escrito pelo escritor, e disse o quanto gostara dele. Depois, estendeu-o e foi pedido:
 
- Vou querer teu autógrafo.
 
O escritor sorriu, retirou a caneta vermelha do bolso, pegou o livro.
 
- Claro - e, meio sem entender o motivo de se sentir tão pouco à vontade, abriu o livro. Todavia, não esperava aquele vazio. O que escrever para o seu leitor que, diferente de todos os outros, não lhe pedia nada especial, era entrega gratuita, sem exigência outra que não apenas a dedicatória? E logo ele que tantas palavras sempre tinha no tempo em que realizava aquelas longas sessões de autógrafos. E os elogios dos leitores. No entanto, agora, o garoto o inibia, o atemorizava. Queria escrever a ele palavras que ele gostasse de ler.
 
O garoto entendeu. Começou a falar da trama e, delicadamente, puxou o livro para si. Abriu-o ao acaso, leu certa passagem, falou do tanto de emoção que aquela história lhe provocara. O escritor se deixou comover pelas palavras, também por suas palavras que lidas pelo outro se tornavam dele também.
 
- Fico feliz - o escritor falou.
 
E novo silêncio. Porém, silêncio que não era falta de palavras. Era preenchimento, era algo que unia aqueles dois, o escritor sentia, sem saber direito o que era aquilo. Mas era.
 
Caminhou pelo apartamento a esmo, acendeu um cigarro, mas não o fumou. Deixou que a brasa vermelha fosse devorando o corpo branco, a fumaça, a cinza, o fim. Pensava no seu leitor, no e-mail cuja falta de coragem o impedia de enviar.
 
Da sacada, via o movimento de carros lá embaixo, bem embaixo, e sentiu a vontade de voo brotar. Se fosse pomba desgarrada, atiraria o corpo sobre o vão da noite e se deixaria balançar por entre os fios elétricos, os prédios, os postes de luz. Mas era apenas um escritor. Um escritor sem palavras. 
 
Agora.
 
E, quando o celular tocou, chegou a esperançar que fosse o seu leitor. No entanto, não tinha lhe dado o número, como podia crer que fosse ele, e por que queria crer que fosse ele? 
 
Deixou que a bagana apagada do cigarro voasse pela noite em seu lugar. Quis que o sono impusesse o fim daquilo que nem início poderia ser. Desejou se concentrar e dar conta das tantas tarefas que a semana ainda lhe impunha. 
O sorriso, o sorriso, o sorriso. 
 
A madureza, no entanto, era sua. Tinha que ser sua. Era autor consagrado, público, homem já de muita vida vivida para estar vivendo o impasse do existir. E tudo por que um garoto lhe havia enviado um e-mail com um convite ao qual ele aceitou. O café, a tarde fria, a conversa boa, apesar dos tantos abismos que os separavam.
 
Sentou-se diante do notebook, se distraísse o coração com o que devia, quem sabe, quem sabe. Abriu a caixa de e-mails. E lá outro e-mail de seu leitor.
 
Leu-o. 
 
Sorriu a dor daquele sentir aguçado. E aguardou que a noite fosse breve, a fim de que na tarde fria pudesse rever aquele menino, aquele sorriso daquele menino, seu leitor. Apenas.
 
E o quem sabe foi se enveredando entre sua pele, seus nervos, sua carne, e a palavra foi sendo broto de brotar assim: O escritor empurrou a porta do café e entrou.

 

Mais informações sobre Caio Riter

 

A presença de Caio Riter no portal é um oferecimento de:

Copyright © msmidia.com






Confira nosso canal no


Vídeos em destaque

Carreira de Escritor

Escrevendo para redes sociais


Cursos de Escrita

Cursos de Escrita

Curso Online de
Formação de Escritores

Curso inédito e exclusivo para todo o Brasil, com aulas online semanais AO VIVO

Mais informações


Cursos de Escrita

Oficinas de escrita online

Os cursos online da Metamorfose Cursos aliam a flexibilidade de um curso online, que você faz no seu tempo, onde e quando puder, com a presença ativa do professor.

Mais informações