Resenha
As indagações do poeta
Jayme Paviani
Marco de Menezes
Eduardo DallAlba afirma que os poemas de Marco de Menezes devem ser lidos "com
os olhos no horizonte". Nada mais verdadeiro. Falam das coisas cotidianas,
mas com grandeza, lucidez e densidade. Não se deixa perder pelo detalhe da
emoção meramente pessoal. Já no poema que abre Pés de Aragem
(Porto Alegre: Bipolar, 2007), podemos ler: "Eu ia pelo caminho difÃcil /
pela vereda selvagem / eu ia pela viela enlameada / pela rua improvável...".
E mais adiante: "Eu ia entre ruÃnas do nada / entre galáxias do tudo / todo meu
eu desfazendo / por dentro eu falava mudo". Salta aos olhos algo essencial do fazer
poético: o domÃnio do verso, isto é, as palavras são domadas, submetidas
a uma nova forma de expressão, uma forma repleta de musicalidade. Para ser poeta não
basta ter idéias e sentimentos poéticos, é preciso saber construir o poema, dar-lhe
ritmo, sentimento do mundo e da vida, e tudo isso num padrão de sonoridade, ao mesmo
tempo, interior e exterior.
É óbvio que um poeta necessita muito mais do que o domÃnio técnico do poema.
Alguns poetas sentem a poesia, porém não conseguem prendê-la na magia do poema.
Escrevem sem alcançar sua meta, pois ainda não conseguiram dar forma ao poema.
É por isso que muitos poetas reescrevem dezenas de vezes seus versos.
São poucos os poemas que nascem prontos. Aliás, mesmo quando nascem prontos,
surgem depois de muitos anos de gestação - como é o caso, entre outros poetas,
de certos versos de Manuel Bandeira. Eles foram inconscientemente trabalhados
por longos anos de gravidez poética, talvez desde a infância ou a partir de uma
forte emoção que somente conseguiu a serenidade da expressão muitos anos mais tarde.
Marco de Menezes surpreende pelo poder expressivo, pelo equilÃbrio entre o que
diz e o modo de dizer. Basta virar as páginas do seu último livro e ler o inÃcio
do segundo poema: "E assim encontramos furtiva / paisagem oculta nalgum / canto de música /
e não é um quadro / e uma alva praia soa / ardendo a areia / de dentro de uma cantiga /
e não é fotografia...". O poema continua com seus jogos entre música e paisagem,
o real e o irreal feitos de uma única e nova realidade. É preciso reler.
Vejamos novamente "uma alva praia soa / ardendo a areia / de dentro de uma cantiga".
As palavras "alva praia que soa, a areia ardendo e tudo isso dentro de uma cantiga":
isso que o poeta expressa não pode ser quantificado, numerado, codificado nem resumido,
explicado, pois é pura qualidade poética, fronteiras entre o conhecimento e a imaginação.
Poesia, portanto - como pintura, música, dança, etc - , tem o poder de dizer o indizÃvel,
o inefável, ou, simplesmente, a objetividade absoluta, aquela que ofusca o entendimento
humano.
Essas reflexões não pretendem julgar, elogiar, criticar os poemas. Só têm o desejo de
persuadir o leitor. Como no futebol, uma coisa é o jogo, a emoção da jogada, da vitória e da derrota, e outra, bem diferente, são as análises
dos comentaristas. Também na arte, os comentários são adjetivos. O fundamental é a
experiência estética. Por isso, insisto, desejo persuadir o leitor a entrar nos poemas
como quem aprecia uma aventura e quer experimentar novas sensações. Existem aventuras
estéticas que desenvolvem, ao mesmo tempo, a sensibilidade e a inteligência. Poemas,
como vinhos especiais, não se bebem como água. Podem ser lidos de modo avulso. Hoje
um, outro amanhã ou em qualquer outra hora. Poemas podem nos revelar outros olhares e
outros aspectos da realidade. É isso que podemos descobrir lendo a última estrofe do
poema O eterno o átimo o leve. Diz: "Amor eu te quero aqui dentro agora / e aqui fora
eu te quero com todos teus dentes / amor vem agora sem pressa demora / que esses versos
possessos eu faço somente / por tua beleza e contentamento".
Publicado originalmente no Jornal Pioneiro (de Caxias do Sul)
12/05/2008
Comentários:
Envie seu comentário
Preencha os campos abaixo.
Literatura Gaúcha
Resenhas e comentários publicados no portal sobre livros de autores do Rio Grande do Sul. Se você deseja enviar uma resenha ou uma obra para ser resenhada, entre em contato com o editor do portal. Não é necessário estar cadastrado no portal para enviar resenhas e a veiculação ou não é uma escolha editorial. As resenhas pubicadas no portal Artistas Gaúchos são de inteira responsabilidade dos autores.
Colunas de Literatura Gaúcha:
Selecione
No assoalho duro: o movimento da escolha (03/03/2011) Minicontando (16/12/2009) Os desAMORdaçados da Oficina do Assis (17/08/2009) Quichiligangues, de Sidnei Schneider (10/08/2009) Resenha sobre Rumor da Casa (06/03/2009) O Mar de Marlon (05/03/2009) O Menino do Livro, de Jacira Fagundes (15/12/2008) Um pouco além (29/10/2008) “Descontágio”, de Cleo de Oliveira (27/08/2008) No centro da vida minúscula (21/08/2008) Dicionário Bibliográfico Escritores da Região de Colonização Italiana no Nordeste do RS (13/08/2008) Poesia anti-proeza (07/08/2008) Plim! A mágica da palavreta! (31/07/2008) As indagações do poeta (12/05/2008) O narrador apesar de si mesmo (04/05/2008) O Fazedor de Balões (24/04/2008) A história da Literatura Brasileira segundo Nejar (07/04/2008) O lado humano da pesquisa (18/03/2008)
Os comentários são publicados no portal da forma como foram enviados em respeito
ao usuário, não responsabilizando-se o AG ou o autor pelo teor dos comentários
nem pela sua correção linguística.