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Poesia

Dois dedos de poesia
Ricardo Silvestrin

Tem um poeta americano, Ezra Pound, que pinçou três linhas criativas dentro da história da poesia. Uma é a dos poemas que trabalham fortemente com o som. Outra é a dos que trabalham as imagens. E a terceira é a dos que acentuam mais com o significado. Essas três linhas podem conviver num mesmo poema. A observação do Pound é mais no sentido de haver em determinados poetas um traço dominante. Por exemplo, a poesia do Millôr Fernandes é centrada na sacada, na idéia, mesmo que quase sempre use como recurso criativo a sonoridade:

“E tudo vai passar.
Como passaram Tito, Caio, Baltazar.
Todo grande homem, falso ou verdadeiro.
Mas isso, só lá no fim do ano.
Ainda estamos em janeiro”.

Ou neste:

“Por fim se descobriu.
O soldado desconhecido
é um civil”

No dois, aquele pensador irônico que está sempre por baixo de todo texto do Millôr. No primeiro, um sarro com a mania de se tentar o consolo para os infortúnios usando a desculpa de que tudo passa. No segundo, a sacada: se o soldado é desconhecido, como se saberá se era um soldado mesmo?

Drummond é outro poeta que aborda temas, pensa sobre eles, examina-os por vários ângulos. É um pensador em verso, não em prosa. É nessa linha do poema-pensamento que vem desenvolvendo sua poesia Jose Ronaldo Viega Alves. Conheci seu primeiro poema na coluna da Zero Hora, Almanaque. Cheirou a coisa boa. Consegui o telefone dele e liguei, para Sant’ana do Livramento. Desde então, tenho recebido seus livros. O último que chegou foi Vitrais, publicado pela Opção2, de Porto Alegre. Vamos a um pequeno, imagético e sonoro, mas que dá o que pensar:

“Bonsais
sonham
demais
com pequeninos
pássaros
que não
irão
ver
pousar
jamais”.

Delicadíssimo. Quase uma palavrinha por verso. Um poeminha-bonsai. E mais um ponto para o Jose Ronaldo: a contemporaneidade. Pegar na paisagem doméstica de hoje o bonsai e pensar sobre ele. Neste outro, o poeta-pensador vai lá na raiz da filosofia ocidental encontrar Platão e Aristóteles:

“Tem quem viva
pela vida afora
um amor platônico.
Receio de ouvir
um não categórico,
lógico, aristotélico.”

Mais um bem intrigante:

“Uma grande maioria
vê na imagem
refletida a sua frente,
ator ou atriz convincente.

Nem sequer desconfiam
que o espelho,
também mente.”

E antes que algum leitor já se apresse em concluir que o Jose Ronaldo é o tempo todo irônico e bem humorado, vai um aí sobre a perda de alguém de quem se gosta:

“A notícia de uma morte
até pode parecer
econômica:
- Morreu!
O que acaba sucedendo
após essa expressão lacônica
é que tudo atinge um crescendo,
e uma dimensão nunca vista.
Algo assim, como se um precipício
se abrisse bem debaixo
dos nossos pés.”

O título desse poema é “Notícia”. A inteligência do poeta foi pegar o contraponto entre a rapidez da morte, o comunicado e tudo que se sucede num espaço de um, dois dias e a longa elaboração do luto em quem fica. Como se a notícia fosse a pedra jogada no lago, e as ondas que ela faz vão se alastrando por muito tempo. Pra falar da vida e da morte, é que existe a poesia.


01/07/2008

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  Ricardo Silvestrin

Ricardo Silvestrin nasceu em Porto Alegre, 1963. Formado em Letras pela UFRGS, é poeta, com diversos livros publicados, e músico integrante dos poETs.

ricardo.silvestrin@globo.com
www.ricardosilvestrin.com.br


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