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Cultura

Afinal, quem tem acesso à cultura no Brasil?
Carlos Scomazzon

Estamos em mais um ano eleitoral. Sem muito entusiasmo, é verdade, mas é preciso escolher bem os nossos candidatos. Nesses tempos em que coligações político-partidárias são feitas meramente com base no tempo de propaganda na televisão a que cada partido terá direito, fica difícil ver debates de políticas públicas. No poder, os gestores costumam priorizar apenas as políticas de curto prazo, cujos resultados – geralmente duvidosos – possam ser devidamente explorados na próxima eleição. Além disso, vê-se a insistente tentativa de privatização do espaço público a partir de interesses particulares de quem está no poder no momento. Na área cultural as regras também são essas, quando a situação não é pior ainda. É preciso, no entanto, resistir e escolher aqueles que nos pareçam os melhores candidatos. Em tempos de eleições municipais, fui investigar alguns dados relativos às possibilidades de acesso da população à cultura. Eles podem nos servir de referência na hora de escolhermos um candidato a vereador ou a prefeito. Afinal, que tipo de políticas culturais queremos ver implantadas ou melhoradas nos municípios? O que podemos esperar de nossos gestores e parlamentares? Aí vão, pois, alguns números sobre acesso à cultura no Brasil para que a gente reflita.

De acordo com pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano passado, os 10% mais ricos do Brasil são responsáveis por cerca de 40% de todo o consumo cultural no país. Além disso, as regiões metropolitanas concentram 41% desse consumo. Segundo o IBGE, apenas 0,2% do gasto público do país foi aplicado no setor cultural em 2005. Ou seja, de cada R$ 1 milhão de recursos públicos gastos no país, somente R$ 2 mil são investidos na área cultural. O Rio Grande do Sul ocupa a vexatória condição de figurar entre os estados que mais reduziram os gastos em cultura em 2005, ao lado de Maranhão, Paraíba e Alagoas. O estudo Sistema de Informações e Indicadores Culturais 2003-2005 mostra que os estados com maior participação nos gastos, em 2005, no setor foram São Paulo (28,6%) e Bahia (10,1%), embora tenham se mantido praticamente na mesma posição de 2003. Em 2005, diz o IBGE, somente 266 municípios (4,8% do total) respondiam por mais da metade (55,1%) dos gastos com cultura no país.

Acesso

Já a pesquisa Gasto e Consumo das Famílias Brasileiras Contemporâneas, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que as dificuldades de acesso da população à cultura consta em primeiro lugar entre os fatores causadores de desigualdades entre os brasileiros, seguido pelo acesso à educação. As famílias com maior poder econômico, diz o estudo, gastam 30% a mais com educação que as mais pobres e, desta forma, têm acesso mais fácil à cultura. Ao tentar traçar o perfil do setor cultural nos municípios brasileiros, o IBGE evidenciou a frágil infra-estrutura da maioria deles na área cultural, especialmente nas cidades pequenas, desde a falta de equipamentos - públicos e privados - até a ausência de políticas públicas para o setor. Apenas 7,3% dos municípios possuem cinemas e 18,8% das cidades têm teatros ou casas de espetáculo. Quanto mais afastada estiver a cidade em relação às regiões metropolitanas, mais chances de haver menos infra-estrutura na área cultural e menor incidência das políticas públicas.

No que diz respeito aos potenciais consumidores de cultura no Brasil também vale destacar alguns dados impressionantes, que demonstram haver ainda um longo caminho a percorrer nos sentido de facilitar o acesso à cultura no país, apesar de alguns avanços já alcançados. Menos de 10% dos brasileiros vão pelo menos uma vez por ano ao cinema, e aqueles que freqüentam as salas com mais regularidade não chegam a totalizar 5%. O diagnóstico sobre o acesso à cultura indica ainda que cerca de 87% dos brasileiros nunca foram ao cinema ver um filme, 90% dos municípios não têm equipamentos culturais, e 92% da população nunca entrou em um museu.

Na área de literatura, as tiragens de livros são de apenas cinco mil exemplares, para um país de 180 milhões de habitantes, e 73% dos livros estão concentrados em 16% da população. O brasileiro lê, em média, 4,7 livros por ano, segundo indicadores da pesquisa encomendada pelo Instituto Pró-Livro ao Ibope Inteligência. No entanto, quando contabilizada apenas a leitura feita por pessoas que não estão mais na escola, a conta fica em 1,3 livro por ano. Já a média de livros comprados pelos brasileiros fica em 1,1 livro por ano.

Deficiência

Mais difícil ainda é o acesso à cultura para os portadores de deficiência no Brasil. Livros, computadores, televisão, equipamentos culturais e planejamento dos espaços físicos: quase tudo é feito de acordo com as necessidades das pessoas sem qualquer tipo de deficiência. O Censo realizado no ano 2000 calculou que o país possuía, à época, uma população de mais de 24,5 milhões de brasileiros portadores de algum tipo de deficiência. Para essa população, no entanto, o acesso à cultura é bastante restrito. Os filmes precisam ser dublados. E ainda são poucos, por exemplo, os livros passados para o Braille ou disponibilizados em meio digital. No ensino, a maioria das escolas regulares ainda resiste a aceitar crianças portadoras de deficiência e não oferecem treinamento aos professores e profissionais da educação para lidar com essa clientela. Desta forma, mantém-se a exclusão dos portadores de deficiência na sociedade, sem acesso à cultura e à educação. Essa situação, porém, pode ser revertida com a ajuda de um poderoso aliado: a tecnologia. Basta vontade política e investimentos públicos pesados nesta área. Segundo alguns especialistas, a grande dificuldade ainda encontrada para aplicar as novas tecnologias ao uso dessa clientela reside no fato de que grande parte dos programas disponíveis no mercado - para utilização em computadores, como sintetizadores de voz - não oferece opção para língua portuguesa e tem custo muito alto. Se acessíveis, livros em formato digital, por exemplo, facilitariam a leitura tanto para cegos quanto para portadores de outras necessidades especiais, por meio de programas que convertem os textos em áudio.

Crianças

É preciso lembrar que a exclusão cultural começa cedo, já na infância. Ao menos quando estamos falando de Brasil e Terceiro Mundo. O Brasil está entre os países com maiores índices de exploração do trabalho infantil. Calcula-se que cerca de 4 milhões de crianças, entre 5 e 16 anos, estejam trabalhando no Brasil, o que incluiria atividades na área rural, nos lixões - como catadores de papel - nos serviços de carvoarias e nas olarias e até mesmo na exploração sexual, especialmente nas regiões de maior fluxo de turismo. Crianças que trabalham estão longe das escolas e, mais ainda, das atividades culturais. Neste ciclo vicioso, a retirada das crianças das salas de aula marginaliza, facilita a manutenção das condições de pobreza e dificulta o acesso à cultura e à educação.

Dados colhidos pelo IBGE dão conta que 20% dos brasileirinhos já trabalham antes dos 10 anos de idade e 65,7%, antes dos 15 anos. No Rio Grande do Sul, o índice de crianças que trabalham é de 17,9%, enquanto outros 9,1% das crianças gaúchas não trabalham e, mesmo assim, estão fora da escola. Grande parte dessas crianças trabalhadoras gaúchas está na lavoura, principalmente no cultivo do fumo, longe das escolas e de quaisquer atividades culturais, majoritariamente situadas nas regiões metropolitanas e zonas urbanas.

Cinemas

Notícia veiculada neste mês pela Folha Online informa que o público do cinema brasileiro diminuiu 30,8% no primeiro semestre deste ano. De janeiro a junho, a renda acumulada pelas bilheterias das produções nacionais teria despencado 22,9%, totalizando R$ 28,9 milhões. Segundo a notícia, “Meu Nome Não é Johnny" foi o único filme nacional que teria feito sucesso neste semestre e capaz de encher as salas de cinema. No ano passado, o público de cinema no Brasil já havia diminuído 2,9% em relação a 2006, segundo dados do Sindicato das Empresas Distribuidoras Cinematográficas do Rio de Janeiro. O fato é que os ingressos das salas de cinema estão muito caros para o poder aquisitivo da maioria da população. Isso explicaria em grande parte a queda crescente de público. Os exibidores de filmes não concordam com a afirmação de que o ingresso de cinema está muito alto e alegam que o preço do ingresso encareceu devido ao alto número de isenções, como a meia-entrada para estudantes. Em certa medida, talvez eles tenham razão. No entanto, é inegável que as pessoas de menor poder aquisitivo que ainda tinham acesso ao cinema estão sendo excluídas, cada vez em maior número, também dessa opção de lazer e cultura.

Memorial

A seção Memorial em breve se tornará um especial do Portal Artistas Gaúchos, com mais informações sobre os protagonistas hitóricos de nossa arte.


07/08/2008

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Comentários:

Mas o que é cultura? O texto não esclarece isso ao leitor? Uma cantiga de roda no interior da bahia, cantada por mulheres lavadoras de roupas em uma fonte, os costumes locais não são culturas? As manifestações indígenas etc. Vocês não estão confundindo acesso às artes acadêmicas com cultura não? Todo povo tem cultura. Porque esta são as diferentes manifestações de um povo.
MÁRCIO SÉRGIO LIMA QUEIROZ, Salvador Bahia 31/01/2018 - 01:11
A organização do texto é impressionante e é exatamente o que eu estava buscando nesse quesito, todavia, o artigo está desatualizado, deveriam constar informações e dados de 2015 no mínimo. Uma pena.
Luciana S, Terespolis 29/10/2016 - 11:37
Texto antigo que não condiz com a realidade atual , hoje ( em 2016 ) muita coisa melhorou ,a cultura está muito mais democratizada.
Murilo, Jundia 25/06/2016 - 19:05
Nossa Carlos esse texto é simplesmente maravilhoso e sabe pq? diz exatamente o que penso...vc fez uma apanhado la do inicio "escolha de representantes realmente preocupados com a cultura" o lado politico depois entra na realidade da maioria do povo brasileiro (os qu n ten acesso a cultura enfatizando com muita propriedade a exclusao social. estou fazendo um projeto para uma feira cultural. permita-me usar algumas de suas palavras? e gostaria muito de fazer contato. obrigada
Lena Rayol, Pontalina/GO 01/03/2010 - 19:58

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  Carlos Scomazzon

Nascido em 1962, Carlos Scomazzon é natural de Porto Alegre (RS), onde reside. Atualmente, é jornalista da Câmara Municipal de Porto Alegre. Também atua voluntariamente como jornalista na Ecoagência de Notícias Ambientais, mantida pelo Núcleo de Ecojornalistas do RS (NEJ-RS), do qual participa desde 1992. Desde 2002, administra a Rede Brasileira de Comunicação Pública, uma lista de discussão focada na comunicação pública e integrada por profissionais e estudantes de diversas áreas da comunicação. É casado com a jornalista e escritora Laís Chaffe e pai dos catarinenses João Victor e João Vinícius.

comunicante.blog@comunicante.jor.br
www.comunicante.jor.br/


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