Estamos em mais um ano eleitoral. Sem muito entusiasmo, é verdade, mas
é preciso escolher bem os nossos candidatos. Nesses tempos em que coligações
político-partidárias são feitas meramente com base no tempo
de propaganda na televisão a que cada partido terá direito, fica
difícil ver debates de políticas públicas. No poder, os gestores
costumam priorizar apenas as políticas de curto prazo, cujos resultados
– geralmente duvidosos – possam ser devidamente explorados na próxima
eleição. Além disso, vê-se a insistente tentativa de
privatização do espaço público a partir de interesses
particulares de quem está no poder no momento. Na área cultural
as regras também são essas, quando a situação não
é pior ainda. É preciso, no entanto, resistir e escolher aqueles
que nos pareçam os melhores candidatos. Em tempos de eleições
municipais, fui investigar alguns dados relativos às possibilidades de
acesso da população à cultura. Eles podem nos servir de referência
na hora de escolhermos um candidato a vereador ou a prefeito. Afinal, que tipo
de políticas culturais queremos ver implantadas ou melhoradas nos municípios?
O que podemos esperar de nossos gestores e parlamentares? Aí vão,
pois, alguns números sobre acesso à cultura no Brasil para que a
gente reflita.
De acordo com pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) no ano passado, os 10% mais ricos do Brasil são responsáveis
por cerca de 40% de todo o consumo cultural no país. Além disso,
as regiões metropolitanas concentram 41% desse consumo. Segundo o IBGE,
apenas 0,2% do gasto público do país foi aplicado no setor cultural
em 2005. Ou seja, de cada R$ 1 milhão de recursos públicos gastos
no país, somente R$ 2 mil são investidos na área cultural.
O Rio Grande do Sul ocupa a vexatória condição de figurar
entre os estados que mais reduziram os gastos em cultura em 2005, ao lado de
Maranhão, Paraíba e Alagoas. O estudo Sistema de Informações
e Indicadores Culturais 2003-2005 mostra que os estados com maior participação
nos gastos, em 2005, no setor foram São Paulo (28,6%) e Bahia (10,1%),
embora tenham se mantido praticamente na mesma posição de 2003.
Em 2005, diz o IBGE, somente 266 municípios (4,8% do total) respondiam
por mais da metade (55,1%) dos gastos com cultura no país.
Acesso
Já a pesquisa Gasto e Consumo das Famílias Brasileiras Contemporâneas,
do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mostra que as dificuldades
de acesso da população à cultura consta em primeiro lugar
entre os fatores causadores de desigualdades entre os brasileiros, seguido pelo
acesso à educação. As famílias com maior poder econômico,
diz o estudo, gastam 30% a mais com educação que as mais pobres
e, desta forma, têm acesso mais fácil à cultura. Ao tentar
traçar o perfil do setor cultural nos municípios brasileiros,
o IBGE evidenciou a frágil infra-estrutura da maioria deles na área
cultural, especialmente nas cidades pequenas, desde a falta de equipamentos
- públicos e privados - até a ausência de políticas
públicas para o setor. Apenas 7,3% dos municípios possuem cinemas
e 18,8% das cidades têm teatros ou casas de espetáculo. Quanto
mais afastada estiver a cidade em relação às regiões
metropolitanas, mais chances de haver menos infra-estrutura na área cultural
e menor incidência das políticas públicas.
No que diz respeito aos potenciais consumidores de cultura no Brasil também
vale destacar alguns dados impressionantes, que demonstram haver ainda um longo
caminho a percorrer nos sentido de facilitar o acesso à cultura no país,
apesar de alguns avanços já alcançados. Menos de 10% dos
brasileiros vão pelo menos uma vez por ano ao cinema, e aqueles que freqüentam
as salas com mais regularidade não chegam a totalizar 5%. O diagnóstico
sobre o acesso à cultura indica ainda que cerca de 87% dos brasileiros
nunca foram ao cinema ver um filme, 90% dos municípios não têm
equipamentos culturais, e 92% da população nunca entrou em um
museu.
Na área de literatura, as tiragens de livros são de apenas cinco
mil exemplares, para um país de 180 milhões de habitantes, e 73%
dos livros estão concentrados em 16% da população. O brasileiro
lê, em média, 4,7 livros por ano, segundo indicadores da pesquisa
encomendada pelo Instituto Pró-Livro ao Ibope Inteligência. No
entanto, quando contabilizada apenas a leitura feita por pessoas que não
estão mais na escola, a conta fica em 1,3 livro por ano. Já a
média de livros comprados pelos brasileiros fica em 1,1 livro por ano.
Deficiência
Mais difícil ainda é o acesso à cultura para os portadores
de deficiência no Brasil. Livros, computadores, televisão, equipamentos
culturais e planejamento dos espaços físicos: quase tudo é
feito de acordo com as necessidades das pessoas sem qualquer tipo de deficiência.
O Censo realizado no ano 2000 calculou que o país possuía, à
época, uma população de mais de 24,5 milhões de
brasileiros portadores de algum tipo de deficiência. Para essa população,
no entanto, o acesso à cultura é bastante restrito. Os filmes
precisam ser dublados. E ainda são poucos, por exemplo, os livros passados
para o Braille ou disponibilizados em meio digital. No ensino, a maioria das
escolas regulares ainda resiste a aceitar crianças portadoras de deficiência
e não oferecem treinamento aos professores e profissionais da educação
para lidar com essa clientela. Desta forma, mantém-se a exclusão
dos portadores de deficiência na sociedade, sem acesso à cultura
e à educação. Essa situação, porém,
pode ser revertida com a ajuda de um poderoso aliado: a tecnologia. Basta vontade
política e investimentos públicos pesados nesta área. Segundo
alguns especialistas, a grande dificuldade ainda encontrada para aplicar as
novas tecnologias ao uso dessa clientela reside no fato de que grande parte
dos programas disponíveis no mercado - para utilização
em computadores, como sintetizadores de voz - não oferece opção
para língua portuguesa e tem custo muito alto. Se acessíveis,
livros em formato digital, por exemplo, facilitariam a leitura tanto para cegos
quanto para portadores de outras necessidades especiais, por meio de programas
que convertem os textos em áudio.
Crianças
É preciso lembrar que a exclusão cultural começa cedo,
já na infância. Ao menos quando estamos falando de Brasil e Terceiro
Mundo. O Brasil está entre os países com maiores índices
de exploração do trabalho infantil. Calcula-se que cerca de 4
milhões de crianças, entre 5 e 16 anos, estejam trabalhando no
Brasil, o que incluiria atividades na área rural, nos lixões -
como catadores de papel - nos serviços de carvoarias e nas olarias e
até mesmo na exploração sexual, especialmente nas regiões
de maior fluxo de turismo. Crianças que trabalham estão longe
das escolas e, mais ainda, das atividades culturais. Neste ciclo vicioso, a
retirada das crianças das salas de aula marginaliza, facilita a manutenção
das condições de pobreza e dificulta o acesso à cultura
e à educação.
Dados colhidos pelo IBGE dão conta que 20% dos brasileirinhos já
trabalham antes dos 10 anos de idade e 65,7%, antes dos 15 anos. No Rio Grande
do Sul, o índice de crianças que trabalham é de 17,9%,
enquanto outros 9,1% das crianças gaúchas não trabalham
e, mesmo assim, estão fora da escola. Grande parte dessas crianças
trabalhadoras gaúchas está na lavoura, principalmente no cultivo
do fumo, longe das escolas e de quaisquer atividades culturais, majoritariamente
situadas nas regiões metropolitanas e zonas urbanas.
Cinemas
Notícia veiculada neste mês pela Folha Online informa que o público
do cinema brasileiro diminuiu 30,8% no primeiro semestre deste ano. De janeiro
a junho, a renda acumulada pelas bilheterias das produções nacionais
teria despencado 22,9%, totalizando R$ 28,9 milhões. Segundo a notícia,
“Meu Nome Não é Johnny" foi o único filme nacional
que teria feito sucesso neste semestre e capaz de encher as salas de cinema.
No ano passado, o público de cinema no Brasil já havia diminuído
2,9% em relação a 2006, segundo dados do Sindicato das Empresas
Distribuidoras Cinematográficas do Rio de Janeiro. O fato é que
os ingressos das salas de cinema estão muito caros para o poder aquisitivo
da maioria da população. Isso explicaria em grande parte a queda
crescente de público. Os exibidores de filmes não concordam com
a afirmação de que o ingresso de cinema está muito alto
e alegam que o preço do ingresso encareceu devido ao alto número
de isenções, como a meia-entrada para estudantes. Em certa medida,
talvez eles tenham razão. No entanto, é inegável que as
pessoas de menor poder aquisitivo que ainda tinham acesso ao cinema estão
sendo excluídas, cada vez em maior número, também dessa
opção de lazer e cultura.
Memorial
A seção Memorial em breve se tornará um especial do Portal Artistas Gaúchos, com mais informações sobre os protagonistas hitóricos de nossa arte.
Mas o que é cultura? O texto não esclarece isso ao leitor? Uma cantiga de roda no interior da bahia, cantada por mulheres lavadoras de roupas em uma fonte, os costumes locais não são culturas? As manifestações indígenas etc. Vocês não estão confundindo acesso às artes acadêmicas com cultura não? Todo povo tem cultura. Porque esta são as diferentes manifestações de um povo.
MÁRCIO SÉRGIO LIMA QUEIROZ, Salvador Bahia 31/01/2018 - 01:11
A organização do texto é impressionante e é exatamente o que eu estava buscando nesse quesito, todavia, o artigo está desatualizado, deveriam constar informações e dados de 2015 no mínimo. Uma pena.
Luciana S, Terespolis 29/10/2016 - 11:37
Texto antigo que não condiz com a realidade atual , hoje ( em 2016 ) muita coisa melhorou ,a cultura está muito mais democratizada.
Murilo, Jundia 25/06/2016 - 19:05
Nossa Carlos esse texto é simplesmente maravilhoso e sabe pq? diz exatamente o que penso...vc fez uma apanhado la do inicio "escolha de representantes realmente preocupados com a cultura" o lado politico depois entra na realidade da maioria do povo brasileiro (os qu n ten acesso a cultura enfatizando com muita propriedade a exclusao social. estou fazendo um projeto para uma feira cultural. permita-me usar algumas de suas palavras? e gostaria muito de fazer contato. obrigada
Lena Rayol, Pontalina/GO 01/03/2010 - 19:58
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