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LIC/RS

LIC, entre fraudes e jogos de poder
Carlos Scomazzon

As fraudes na captação de recursos da Lei de Incentivo à Cultura (LIC) monopolizaram as atenções da comunidade cultural gaúcha nos últimos dias. Responsáveis por empresas produtoras culturais teriam falsificado assinaturas dos três últimos secretários de Cultura do Rio Grande do Sul, a fim de captarem recursos para projetos que não haviam sido aprovados - ou aprovados com recursos menores - pelo Conselho Estadual de Cultura (CEC) do RS. Como é sabido, a LIC autoriza as companhias privadas a abaterem até 75% do valor do patrocínio na forma de crédito fiscal presumido de ICMS. Mas as produtoras precisam antes obter aprovação da Sedac-RS e do CEC. As denúncias acabaram respingando até mesmo na presidente do CEC, Mariângela Grando, acusada de incluir gastos irregulares nas contas das verbas captadas pela sua empresa através da LIC. Os casos denunciados pela imprensa estão demonstrando que as prestações de contas de muitas empresas beneficiadas pela LIC não resistem a uma auditoria mais séria.

O imbróglio serviu também para tornar pública uma disputa que já vinha se travando nos bastidores entre a secretária da Cultura, Mônica Leal, e Mariângela Grando. Aliadas no início do governo Yeda Crusius, em 2007, ambas haviam se empenhado em tentar retirar o comando da Cinemateca Paulo Amorim das mãos da Associação de Amigos da Cinemateca para entregá-la ao grupo de Mariângela. Até mesmo um termo de compromisso com a empresa de Mariângela, estabelecendo um prazo de 30 dias para assinatura de um contrato a partir do qual a Cinemateca seria administrada pela nova gestora, chegou a ser assinado com a Associação de Amigos. Prova contundente da parceria entre a secretária e Mariângela foi a indicação de Joaquim Pedro Ramos Pereira, colaborador na empresa de Mariângela, para os cargos de diretor da Cinemateca e de diretor-presidente do Instituto Estadual de Cinema (Iecine) neste mesmo período. Tudo se encaminhava para a transferência do comando da Cinemateca para a empresa de Mariângela, como denunciava à época a jornalista Laís Chaffe (veja artigo - http://www.cinema.com.br/site/opiniao-interna1.php?id=162). Assessora de imprensa da Paulo Amorim durante cerca de dez anos, Laís foi solenemente afastada quando começou a fazer oposição ao projeto Mônica-Mariângela. Nesta mesma época, Pereira foi nomeado até mesmo para conselheiro do CEC.

Mas as negociações que até então ocorriam nos bastidores e eram sistematicamente negadas pela secretária Mônica Leal vieram a público. Pressionada pela imprensa e pela Associação Profissional de Técnicos Cinematográficos (APTC) a confirmar as mudanças, a Sedac-RS continuou negando qualquer acordo com a empresa de Mariângela Grando, ao mesmo tempo em que recuava das tratativas. Não por acaso, pouco tempo depois disso o então diretor da Cinemateca, Joaquim Pereira, foi exonerado. O acordo estava desfeito. A partir daí começam os desacertos entre Mariângela Grando e a secretária Mônica Leal, que deixam de ser aliadas.


Tradicionalismo e folclore

Grande parte da comunidade cultural gaúcha contesta os critérios (ou a falta deles) para a LIC. O Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), entidade privada promotora de vários eventos de grande porte, tem conseguido capitanear grande parte das verbas públicas do setor da cultura e da LIC das empresas estatais, fundações e autarquias. Neste ano, antes mesmo que o Conselho Estadual de Cultura houvesse se manifestado sobre a aprovação de recursos da LIC para os eventos da Semana Farroupilha, o governo do Estado decidiu destinar R$ 642 mil da verba publicitária de três estatais - Banrisul, Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) e Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE) - para os festejos. A própria presidente do CEC, Mariângela Grando, declarou em entrevista à Revista Aplauso (leia aqui - http://www.aplauso.com.br/site/portal/detalhe_notas.asp?campo=1127&secao_id=17): "O que estamos percebendo é que chegam para nós, maciçamente, projetos de um segmento apenas - folclore e tradicionalismo. Mas é importante lembrar que a LIC foi criada para estimular a produção independente de cultura." Na mesma entrevista, ela afirma que o perfil da maioria dos projetos enviados ao CEC diz respeito a eventos e festas. E acrescenta: "Projetos de grande visibilidade para a agenda cultural do Estado têm sido trazidos para o âmbito da LIC. É o caso da Feira do Livro, da Jornada de Passo Fundo, do Festival de Cinema de Gramado, da Semana Farroupilha de Porto Alegre. Mas não pode ser assim. Esses eventos deveriam ter recursos orçamentários."


Novidade?

Pressionada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) que, desde 2002, apontava diversas irregularidades na captação de recursos e comprovação de gastos pelas empresas produtoras, a Sedac-RS promoveu, recentemente, algumas modificações na Lei de Incentivo à Cultura no Estado. No entanto, o que se vê é que o essencial não mudou. A LIC deveria promover a democratização dos recursos entre diversas atividades culturais, estimulando novas iniciativas e as pequenas produções.

Mas as grandes produtoras e os grupos de interesse mais articulados politicamente continuam sendo os maiores beneficiados pela Lei. Grandes eventos, patrocinados pelo Estado brasileiro com recursos das leis de incentivo à cultura, cobram ingressos com preços exorbitantes e se destinam a uma elite que pode pagar pelo espetáculo. Nesta semana, a imprensa gaúcha apontou indícios de que a empresa Opus Promoções, promotora de grandes eventos no Estado, também estaria envolvida em irregularidades com a LIC. Entre outras denúncias, a Opus teria comprovado gastos na produção de seus eventos financiados pela LIC mediante a apresentação de notas frias.

Anteriormente, o Festival de Cinema de Gramado já tinha se envolvido em escândalo parecido. Fraudes constatadas na organização do festival, em 2006, resultaram numa ação do Tribunal de Contas do Estado (TCE) que trancou as verbas da LIC. Os organizadores buscavam captar R$ 1,5 milhão por meio da Lei. O Ministério Público Especial do TCE-RS constatou irregularidades na documentação do projeto de captação que os organizadores do Festival de Gramado enviaram ao Conselho Estadual de Cultura, inclusive com falsificação de assinaturas no orçamento de uma empresa de segurança privada. O caso gerou, à época, até mesmo a renúncia do empresário que ocupava o cargo de presidente do Festival havia 15 anos.

Disso tudo, fica a pergunta: há alguma novidade nessas fraudes agora denunciadas pela imprensa? Será que ninguém sabia que há muito tempo estavam ocorrendo fraudes em relação à LIC?


Nacional

Em âmbito nacional, especialistas estimam que, nos 17 anos de existência da Lei Rouanet, mais de 70% dos recursos foram destinados a projetos de um pequeno grupo de produtores do eixo Rio-São Paulo. Mesmo a FLIP - Festa Internacional do Livro de Paraty, iniciativa saudada por todos que gostam de literatura, é um exemplo disso. Recebe grandes patrocínios à custa de renúncia fiscal, via Lei Rouanet, mas se destina a um público elitizado. Outro exemplo: o CIE Brasil captou R$ 9,4 milhões com a Lei Rouanet para a temporada brasileira do Cirque du Soleil, em 2006. Neste mesmo ano, o custo do ingresso mais barato do espetáculo era de R$ 150,00. Fica muito evidente, em casos como esses, que certos eventos contemplados pela Rouanet e pela LIC-RS - pelos seus méritos inquestionáveis e pela sua magnitude -, costumam receber "aprovação a priori", sem que haja interesse do poder público e da própria comunidade cultural em analisar mais detalhadamente os gastos e as prestações de contas dessas empresas.

Em 1995, a empresa do ator Guilherme Fontes captou R$ 8,641 milhões para a produção do filme "Chatô, o Rei do Brasil" por meio da Lei Rouanet e da Lei do Audiovisual. Neste ano, a Controladoria-Geral da União (CGU) decidiu que o ator e sua mãe Yolanda Machado Medina Coelios - produtores do filme - vão ter de devolver os recursos públicos tomados para a realização do longa-metragem. O processo instaurado pela Ancine (Agência Nacional de Cinema) apontou irregularidade nas contas da produção. Conforme valores atualizados até 28 de fevereiro de 2006, os dois produtores deveriam R$ 36,580 milhões aos cofres públicos. Detalhe: "Chatô" não foi concluído até hoje.

Em 2006, pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e Ministério da Cultura constatou, entre outras coisas, que o Estado brasileiro gasta menos com produção e promoção de atividades culturais do que a população com o consumo delas. Ou seja, fica implícito que estratégias como a da Rouanet e da LIC-RS ainda não são suficientes para ampliar o acesso da população às atividades culturais. Os empreendimentos culturais, em geral, têm preço alto e são para poucos.


Cine Guion X Idosos

O Cine Guion, com várias salas de cinema em Porto Alegre, decididamente parece não gostar dos idosos. Ao menos é o que se deduz pelos constrangimentos que impõe àquela clientela que já passou dos 60 anos de idade e que tem direito legal à meia-entrada nos cinemas. Freqüentadores do Guion que já estão nesta faixa etária têm reclamado que, mesmo evidenciando terem 65 anos ou mais, são constrangidos a mostrarem a carteira de identidade na bilheteria do cinema e a assinarem um documento em que atestam a idade. Tudo isso sob manifestações de visível desagrado por parte dos responsáveis pelo Guion, segundo os relatos dos idosos. É um direito dos proprietários e administradores das salas do Cine Guion não concordarem com a lei da meia-entrada, mas isso não lhes dá direito a constranger os idosos que prestigiam o cinema e que desfrutam de uma vantagem obtida legalmente. Se os administradores do Guion entendem que as isenções são indevidas, devem lutar pela reformulação do Estatuto do Idoso, que garante o benefício às pessoas com mais de 65 anos. Vale lembrar ao pessoal do Guion, no entanto, aquela máxima: mais cedo ou mais tarde, se tivermos sorte, também chegaremos à terceira idade.


19/09/2008

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  Carlos Scomazzon

Nascido em 1962, Carlos Scomazzon é natural de Porto Alegre (RS), onde reside. Atualmente, é jornalista da Câmara Municipal de Porto Alegre. Também atua voluntariamente como jornalista na Ecoagência de Notícias Ambientais, mantida pelo Núcleo de Ecojornalistas do RS (NEJ-RS), do qual participa desde 1992. Desde 2002, administra a Rede Brasileira de Comunicação Pública, uma lista de discussão focada na comunicação pública e integrada por profissionais e estudantes de diversas áreas da comunicação. É casado com a jornalista e escritora Laís Chaffe e pai dos catarinenses João Victor e João Vinícius.

comunicante.blog@comunicante.jor.br
www.comunicante.jor.br/


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