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Pilla Vares

A morte da cultura
Alexandre Vargas


Morreu Pilla Vares. Estamos exilados. O pensamento de Pilla Vares jamais foi questão de teoria, de estatística, mas sim de vida. É como se um círculo de giz traçado na circulação de forças — as igrejinhas de cultura da sociedade do Estado do Rio Grande do Sul —, reservasse aos gaúchos o espaço do Hospital Psiquiátrico São Pedro como morada única. Estamos sendo puxados e empurrados por todos os ventos e confinados, não obstante, a um percurso milimétrico, como um trapezista sobre um único fio, equilibrando-se em meio á tormenta e por cima do abismo. É a partir daí, que a morte do nosso querido Pilla Vares, torna-se a tela de projeção intensíssima da nossa sociedade.

O trabalho prestado por Pilla Vares não fica de maneira alguma simplificado pelo fato de que deplorava o modus operandi da industria da cultura, por razões tanto políticas como pessoais. No entanto é possível aprender observando a ação e a obra desse homem no contexto e nos meios dos quais surgiu.

Ponto de referência vital das Secretarias de Culturas, do Estado do Rio Grande do Sul e de Porto Alegre. Com infatigável ardor, dedicou-se a Cultura, elevando-a ao seu extremo. A intervenção cultural de Pilla Vares vai redundar em uma forte influência sobre vários cidades do país. Fato que divulgava esse movimento cultural de Porto Alegre no Brasil.

Para realizar um olhar sobre os olhares é necessário contextualizar que há anos a cidade de Porto Alegre e o Estado do Rio Grande do Sul passa por um processo de desconstrução cultural. No ano de 2002, governo Rigotto, o grupo Falos & Stercus foi expulso do Armazém Cinco do Cais do porto, pois o Secretário de Cultura, na época o Sr. Roque Jacoby decidiu alugar os armazéns para realizar leilões de bois e vacas. A grande ambição de Roque Jacoby, naturalmente tratava-se de um enigma que postulara a reforma cultural do Estado do Rio Grande do Sul. Esse capricho e essa diligência de dedicação insana, mais tarde culminaria na falência do sistema LIC – Lei de Incentivo a Cultura.

O que mais intriga é a curiosa relação simbolica da morte de Pilla Vares com a morte desse espaço da cultura em nossa sociedade. A atmosfera é ameaçadora e misteriosa, possui um aspecto grotesco, que invariavelmente instiga a hilariedade, mas é uma síntese de característica ambígua de horror e humor. A vida e a arte no Rio Grande do Sul, muitas vezes pode ser traduzida por um sentimento de ser estrangeiro em nosso próprio Estado.

Dias de guerras e contradições. Relato dispare que a mídia vem acompanhando com todos os aspectos que envolvem as inexistentes “Politicas de Cultura” do Estado do Rio Grande do Sul. O momento ganha um destaque: a morte de um líder cultural.

Entretanto a notícia surge com toda força guerreando a nossa provisória percepção. A economia gaúcha produz muita riqueza e uma massa enorme de excluídos é mantida calada sobre o cotidiano. A direita está aí, viva e dominante. Sua ideologia social é bem maior do que pensávamos. À esquerda esta liquecendo, ou liquidada, ou morrendo. Vivemos numa era em a Petrobra financia o anarquismo. A sociedade gaúcha nas suas entranhas faz o mesmo movimento, o seu modus vivendi é: mudar para manter.

O trabalho desenvolvido pelo Pilla Vares abriu o reino do incomensurável. Descerrou a cortina do medo, do horror, do terror, da dor e descobriu a melancolia infinita que é incutida nos homens e mulheres do Rio Grande do Sul. Nesse contexto, Pilla vares ao exprimir uma concepção de cultura centrada na democracia, deixou transparecer a sua personalidade multifacetária, eclética de pensador, que contribuiu de diversas maneiras para a reflexão e a história, não somente da cultura, como da arte em geral e da sociedade gaúcha.

Essa influência é evidente na composição de sua obra. Por obra entendo trabalho, construção, consistência, produto, comunicação, estrutura. Obra é a materialização de trabalho, a forma de inserção do homem no espaço de inauguração de uma nova história. Num enquadre temporal, histórico e social, esse repertório foi edificado por Pilla Vares.

No entanto hoje somos acometidos de crise. O niilismo estratégico de uma benevolência dos atuais “Gestores de Cultura” é a passividade do morto sem morte. Não podemos prever como viável a conjuntura da correlação política interna dos governos. Entretanto, com Pilla Vares, eram abandonadas certas conversações e ele nos proporcionava um pouco de possível.

Hoje os nossos “Gestores de Cultura”, nada têm a dizer, nada a comunicar. Os resultados de suas ações são a miséria e o espólio. A verdade é que atualmente no Estado do Rio Grande do Sul se convive com desigualdades econômicas, sociais e culturais que não poderíamos aceitar como viável num regime democrático. Talvez somente a morte, pode pôr um ponto final a esta lógica genocída e reconciliar uma sociedade civil desmoralizada. Não conheci profundamente o Pilla Vares, mas sempre o reconheci. Já sentimos a sua falta.


16/10/2008

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