Convidada pelo portal, a artista plástica Gaby Benedyct inicia série
de diálogos sobre artes visuais com Leonardo Furtado. Leonardo é
Bacharel em Artes Visuais - Habilitação em Design Gráfico
pela UFPel.
Gaby Benedyct - Partindo de suas experiências artísticas,
em que ponto o design gráfico deixa de ser ilustração publicitária
para tornar-se arte?
Leonardo Furtado - Como design gráfico para mim é resolver conceitualmente
o problema gráfico de determinado cliente trabalhando com a relação
entre a imagem e o texto, no momento que não se tem essa preocupação
no trabalho visual eu acredito que se esteja fazendo arte.
Gaby Benedyct - Qual o conceito/processo de sua produção?
Qual a relação de sua arte com o mundo em que você vive?
Leonardo Furtado - Não tenho um processo específico, mas normalmente
é pela técnica do desenho, pela técnica do nanquim, criando
a partir de imagens do cotidiano e da mídia ou simplesmente da minha
imaginação, auxiliado por uma música que eu gosto. Com
a tecnologia disponível hoje em dia é muito fácil ter acesso
e captar uma variedades de imagens que são essenciais para estimular
e desenvolver o meu processo criativo.
Gaby Benedyct - Como você vê os diálogos entre os
artistas que fazem uma especialização em arte como uma UFPel ou
UFRGS e os artistas urbanos, nascidos da produção espontânea
como os grafiteiros que tomaram o Santander, por exemplo. Na sua opinião,
existe um preconceito velado entre os dois grupos ou as coisas caminham para
integração?
Leonardo Furtado - Tive a oportunidade de ver a exposição no
Santander, e gostei bastante do resultado da "invasão", um
espaço que normalmente é utilizado para exposições
de artistas contemporâneos consagrados. Não sei te dizer se no
geral existe uma integração entre grafiteiros e artistas que tem
uma formação acadêmica. Não me lembro de ver especificamente
uma exposição com grafiteiros e artistas acadêmicos. Acho
que o caminho que estes dois tipos de artistas percorrem são distintos,
mas com um objetivo que é praticamente o mesmo para ambos, o reconhecimento
do seu trabalho pelo público das ruas ou das galerias de arte, além
de se manterem com a venda das suas obras. Eu particularmente como designer
gráfico tento trocar informações com grafiteiros e artistas
visuais que conheço pessoalmente ou pela internet, valorizo as duas formas
de expressão.
Gaby Benedyct - Tendo participado de diversos eventos e grupos artísticos
coletivos, o que você acha que funciona e o que não funciona? O
trabalho ocorre realmente com espírito de grupo, ou cada um cuida de
sua parte e o coletivo é só o nome? O que você acha que
faz que aconteça o envolvimento como grupo?
Leonardo Furtado - Na realidade participo de apenas um grupo que é o
C.D.M. ou Centro de Desintoxicação Midiática, realizamos
intervenções urbanas gráficas pelo menos uma vez por semestre
na cidade de Pelotas desde 2004, isso sem contar os eventos que nos convidam
ou os eventos que nós enviamos projetos. Quando nos preparamos para uma
intervenção realizamos várias reuniões onde todos
participam e chegamos a um acordo de como ela deve ser realizada, mas na maioria
das intervenções cada um desenvolve o seu próprio trabalho
separadamente e na data marcada juntamos tudo e realizamos a ação
urbana. Uma coisa que não funciona com a gente é realizar uma
intervenção assim que temos uma idéia interessante, demora
um certo tempo até que possamos concretizá-la, infelizmente temos
uma lista dessas idéias que não seguiram adiante, as nossas intervenções
por causa disso são na maioria atemporais. O que sempre deu certo foram
os registros fotográficos que realizamos das nossas ações,
desde a primeira intervenção disponibilizamos esse material em
redes sociais e no nosso site, quem conhece o nosso grupo pela internet acaba
tendo uma percepção que o nosso trabalho é profissional
e de qualidade, mas nós sempre advertimos que o nosso trabalho é
um embuste. Nos conhecemos desde a época da faculdade, todos os integrantes
do grupo frequentaram o mesmo curso, a mesma turma, e por incrível que
pareça só começamos a desenvolver um projeto coletivo independente
dos projetos da facudade depois de formados, o nosso entrosamento já
existe há um bom tempo, já tem quase dez anos na verdade.
Gaby Benedyct - Dos eventos coletivos que você participou, qual
o principal conceito que você diria que eles têm em comum e por
quê?
Leonardo Furtado - O primeiro evento coletivo que participei pelo C.D.M. foi
o Reverberações que aconteceu na cidade de São Paulo em
2004 e o último foi o Percursos em Porto Alegre no ano de 2007. O conceito
principal que eles tem em comum é colocar diversos grupos artísticos
em contato com o público, provocando e interagindo com as pessoas que
circulam pela cidade ou no entorno do evento, instigando uma reação
nos transeuntes ocasionais. Deste modo é formado um espaço de
troca de experiências entre os artistas/coletivos e a comunidade onde
o evento está sendo realizado.
Gaby Benedyct - Como você vê a sustentabilidade da arte
que não seja aplicada em publicidade (TV, revistas) ou na indústria
(skate, moda, ...), como as artes exibidas em galerias de arte?
Leonardo Furtado - Não costumo expor em galerias de arte, não
saberia te dizer ao certo como alguém se sustenta principalmente no interior
do nosso estado expondo em galerias de arte, acredito que sejam poucos artistas
que consigam isso. Talvez esses artistas já tenham um público
específico com um trabalho de fácil aceitação. Pessoalmente
eu não procuro este caminho, me sustento trabalhando como designer gráfico,
o que me dá liberdade para que eu tenha uma produção artística
que não seja comercial.
Gaby Benedyct - Qual sua opinião sobre as galerias de arte,
das convencionais e da nova geração de alternativas? O que você
acha que faria o público consumir o que todas elas oferecem, já
que a suposição comum é que as vendas são mínimas?
(Considerando que não importa o material que o artista use, nobre ou
tosco, ou sua atitude, tudo tem custo e precisamos vender um pouco para pelo
menos sustentar a arte).
Leonardo Furtado - O grupo C.D.M. já realizou duas exposições
em lugares alternativos em Pelotas com o objetivo de divulgar os seus trabalhos
e registros fotográficos e sem a pretensão de vendê-los,
conseguimos pelo menos aumentar nossa rede de contatos. Vejo com interesse o
surgimento de galerias de arte voltadas para um público específico,
como os espaços que divulgam a produção dos artistas de
rua, desta forma fica mais fácil para o artista comercializar o seu trabalho
com o público adequado, pena que só temos este tipo de galeria
em cidades grandes.
Gaby Benedyct - Pensando na pobreza, na violência, na depredação
profunda da natureza, na falta de educação entre as pessoas, no
individualismo e todas as mazelas que avançam sobre a sociedade contemporânea,
porque "ainda arte" para você? O que te move a achar que a arte
é importante nesse contexto?
Leonardo Furtado - Esse cenário descrito sem a arte tornaria o mundo
obscuro e complicado de se viver, portanto ter acesso a uma manifestação
artística é muito importante, nem que seja para nos distrair algumas
vezes disso tudo. Mas algumas manifestações artísticas
exploram e registram este mundo jogando na cara das pessoas que ignoram este
contexto toda essa informação com o intuito de provocá-las,
não podemos também nos alienar.
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