Esgota-se mais um verão, e com ele o veraneio, típica instituição incorporada de nossa nostalgia pampeana, muito mais solar do que propriamente marítima. Sim, o veraneio gaúcho é um descarado culto ao sol, no qual o mar e seu entorno entram como paisagem, cenário, acessório. Tremenda injustiça. Nesse mar desenrolam-se enredos muito mais interessantes e poéticos do que a monótona alternância do sol e da chuva do cotidiano da praia, do noticiário e da previsão do tempo.
Por isso, neste contexto o livro PROSA DO MAR de Marlon Almeida chama tanto a atenção. Ninguém antes, na literatura gaúcha, havia cantado com ênfase tão universal e poética tão expressiva e autoral, o mar. Sim, apesar de o título ostentar a palavra prosa, o livro é um belo conjunto de poemas. Na verdade, o autor até brinca, com os limites do narrativo, do lírico e do dramático. É um livro sobre o mar do sul, descobre-se logo na primeira orelha, na evocação de uma memória juvenil que inaugura tudo: “Uma certa noite dos anos 70. Um apartamento quarto-e-sala, beira-mar de Tramandaí, Rio Grande do Sul. O menino ainda espera o pai tão tarde. Antes do sono, a voz da avó de vento e mar: o vento é a voz do mar”. O nome da tão conhecida praia revela o mar do sul, mas é também outros mares, do sul e de todos os quadrantes, reais e imaginários.
Como um trovador (palavra que significa achar) o poeta Marlon Almeida encontrou um tema, um assunto, uma obsessão neste nosso mar, tão cotidiano, local e desprezado. O poeta povoou-o de gente, cenários, sensações, lições, felicidade e angústia. PROSA DO MAR é um conjunto de 56 poemas que celebram a habilidade do poeta de transfigurar o senso comum, o corriqueiro, na mais singular das sensações. Pequenas observações são coletadas com a mesma riqueza com que Dorival Caymi enobrecia o mar da Bahia e os Tapes agigantavam a Lagoa dos Patos. São curtos e deslumbrantes poemas que, saindo do mar envolvem casas, gentes, ventos e calmarias. Longe, muito longe do mar midiático e plastificado a que estamos acostumados.
Publicado no final de 2008, PROSA DO MAR (ed.: 7 Letras), é o maior achado da literatura gaúcha, em muito tempo. Seria injusto indicá-lo como literatura de verão, apesar do vínculo óbvio do tema, pois é um livro para as quatro estações do ano, e muitas outras. É um texto depurado lentamente, filtrado pelo metódico bater do mar à praia, até refletir apenas o essencial, o cerne do poema, a madrepérola da concha, a alma das pessoas e as vozes portadoras de conhecimentos que o tempo não corrói.
Por isso mesmo, e para fugir do óbvio, só indico agora no linear do outono este magnífico livro de um dos mais promissores talentos de nossa literatura, que é Marlon Almeida. Vale a pena dissolver-se nas ondas desta prosa-poética, em que é possível afogar-se, metaforicamente, em águas cuja simbologia ultrapassa sempre os limitados e repetidos chavões a que nós condenamos, sem saber, este mar tão nosso, tão cotidiano e tão de si mesmo, desigual.
Valeu o esforço, Marlon! Nosso mar tem agora, finalmente, quem o leia, interprete e transfigure na potência de seus reais e verdadeiros significados.
* Larry W. é Professor Dr. da UNIJUÍ
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