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Os desAMORdaçados da Oficina do Assis
Marcelo Spalding

Já se tornou um marco da cena literária de Porto Alegre: a cada semestre uma dezena de novos autores se lançam na antologia da Oficina de Criação Literária da PUCRS, a Oficina do Assis. A Oficina, já com 24 anos, está na antologia número 39, e os cerca de 500 autores que tiveram seus nomes estampados em alguma de suas edições sentem-se orgulhosos de fazer parte dessa tradição, e curiosos pelos que vêm a seguir.

O número 39 da antologia é o desAMORdaçados, lançado em agosto e que apresenta ao público-leitor 13 novos escritores, alguns muito jovens, muitos com experiência em outras oficinas, todos comprometidos com a continuidade de uma tradição contística que nas oficinas se fortalece e se propaga. O título é um feliz trocadilho para aqueles que associam a oficina a uma prisão, a uma fórmula ou forma, a uma mordaça. Invertendo o jogo, os oficineiros mostram que a mordaça é a dificuldade técnica de se contar histórias, é o medo da folha em branco, e por isso proclamam-se agora desamordaçados, destacando o amor porque, decerto, é o amor pela escrita e pela literatura que move cada um deles e também o mestre Assis.

Cíntia Moscovich (foto), que cursou a oficina entre os anos de 1995 e 1996, no prefácio ressalta a qualidade do grupo, fruto da passagem de alguns por outras oficinas literárias e também pela bagagem de leitura, mesmo entre os mais jovens, e o diálogo que os autores fazem com alguns clássicos, mostrando que “não perderam a tradição”. Ressalta, ainda, “os excelentes momentos de humor, de poesia, de nonsense, de emoção, de experimentação de linguagem e de ricos achados metafóricos”.

Na orelha, Luiz Antonio de Assis Brasil chama a antologia de “bela amostra de talentos”, e atribui ao leitor o papel de “árbitro na detecção dos melhores textos”, reconhecendo que haja desníveis mas reafirmando que todos os contos compartilham de uma qualidade invariável: a competência textual. “Essa qualidade”, afirma Assis, “vai além do escrever bem, atingindo o estatuto da escrita artística”.

Quem se aventura a, mais do que ler, comentar um livro desses deve cuidar com as comparações, pois mais do que esse eventual “desnível”, é preciso reconhecer em cada um dos treze autores personalidade, trajetória e estilo próprios, ainda que por vezes incipientes. Dessa forma, vamos citar alguns contos, de alguns autores, com a certeza de que representam bem esse conjunto de mordaças rasgadas.

“Sobre robôs”, de Gabriela Silva, narra a história de H4c98, um eficiente funcionário da Assistência Técnica da Cybertech que de repente se sentirá envolvido por uma cliente, Yzz5. Mais do que humanizar os robôs, Gabriela se apropria da linguagem e de situações próprias do mundo cibernético, culminando num desfecho triste mas sublime dentro dessa lógica narrativa.

Também “Carolina”, de Marinella Peruzzo, se passa no futuro, no caso o ano 2020, quando um menino que “tem nem seis anos” pede autorização do pai para fazer uma lumino-tattoo com o nome da namorada. O conflito de gerações, comum em contos e crônicas, ganha aqui novo sentido porque, ao deslocar o pai no tempo, nos vemos nós como atrasado, nostálgico.

Mauro Paz (foto) é outro com imaginação fértil, e cria uma interessante personagem que estará em dois dos seus três contos: Claudia Caswell, famosa atriz pornô. Em “Fincapata”, Claudia vai parar em uma cidadezinha e cabe a um garoto de 16 anos, fã da gostosa, o prazer de ciceroneá-la. Já em “Boneco” ela decide contratar um serviço de coisificação de pessoas para livrar-se do namorado, um serviço que “transforma seu parente querido no objeto que mais combina com ele”. Neste conto, vale mencionar, Mauro surpreende o leitor enxertando no meio do texto, entre um parágrafo e outro, um quadro com o seguinte aviso:

Aviso importante
(Caso você tenha dificuldade em abstrair que o próximo parágrafo refere-se ao dia que segue, espere para continuar lendo o restante do conto amanhã. Assim o tempo da ficção ficará de acordo com o tempo da sua entediante realidade.)”

Ah, se a moda pega...

Há também, além dos autores com imaginação fértil e enredos criativos, narradores que se parecem poetas, artesãos da palavra que as distribuem com zelo na história que contam, encantando o leitor a cada linha. Caso de Ana Santos, jovem e já premiada escritora. Em “Lúcia acha a Lua” não apenas as frases constroem imagens belíssimas (como “o pai que espera magro dentro do pijama”) como o desfecho da história é uma poesia em si, com a Lua, tal qual uma laranja, sendo recolhida com as mãos em concha e posta no bolso, “pra descascar de manhã”.

Por fim, não posso deixar de lembrar de “Engano”, de Viviane Grespan, um conto de fé na humanidade que demonstra como é possível surpreender sem chocar, agredir: aqui a surpresa do protagonista vai na contra-mão do que se costuma fazer em contos, salta de um possível clichê para um quase piegas, mas trabalhado no limite certo para que o conto cause o efeito pretendido.

Agora é torcer que os “desamordaçados”do Assis aproveitem a liberdade e o amor pelas letras para prosseguirem. Ainda que, como diz Cíntia, mesmo que não se saiba quais deles seguirão a carreira literária, ao menos em tese “estão igualmente municiados e esclarecidos na arte do narrar e portanto, no mínimo, já são melhores leitores e espectadores”. E isso, convenhamos, já é muito.


17/08/2009

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Comentários:

Clô, é uma sugestão válida, mas costumo em minhas resenhas falar do texto, a não ser que a edição seja algo extraordinário e realmente digno de nota. Ou se for abaixo do esperado. Como não é o caso, falemos do texto e dos autores.
Marcelo Spalding, Porto Alegre 24/09/2009 - 13:40
prezado Marcelo, adorei a resenha. Apenas lembro que nossa editora (Libretos) poderia ter sido citada, assim como poderias nos dar sua valiosa opinião sobre o produto-livro, resultado final de nosso trabalho. abração.
clo barcellos, porto alegre 22/09/2009 - 10:48

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