Na química dos humores desse homem-gadget contemporâneo, o livro digital é
a promessa de um catalisador incomparável – promete acelerar a reação
entre leitor e texto. Porém, não estabelece vínculos duradouros.
Assim conferido, o livro digital possui o mesmo valor de uma fotocópia,
legitimando esse mesmo caráter de ser descartável tão logo o texto tenha
sido usufruído.
O livro digital promove, inadvertidamente, o descarte do
texto, confinando-o a um diretório do sistema operacional ou a lixeira
virtual.
Em contraponto, leio que uma primeira edição do livro “Sobre a Origem das
Espécies”, de Charles Darwin foi encontrada na estante de livros de um
banheiro. Esse espécime raro em papel envelhecido será leiloado por pelo
menos 66 mil dólares!
Qual o livro digital que poderia aspirar valer quantia equivalente?
Sabe-se a resposta.
Aqueles que advogam o fim do livro tradicional, paradoxalmente, estão
colaborando na promoção de seu valor. A edição do livro é o que contribui
para determinar o seu preço e a sua valia.
Como editor e escritor, regulo as opiniões divergentes pelas vias do
utilitarismo do nosso tempo. Sempre que pensamos no livro pela sua
utilidade o tornamos descartável.
O apanágio do livro tradicional é a sua
demarcação enquanto obra que inclui texto, acabamento, ilustração de capa
e, sobretudo, sua datação na história dada pela sua edição. O livro
impresso e editado é um rastro de vida, vestígio de época, fato histórico.
Nenhum livro digital pode aspirar ter uma arqueologia semelhante, pois ele
apenas nos dá o texto e nada mais.
Prefiro desejar que os utilitaristas migrem para o livro digital,
retirando das livrarias todos esses livros que almejam apenas a distração
estéril. Livraria deve ser o lugar dos livros perenes, das obras
impressas, que ainda exalam o perfume de seu tempo e lugar, que indiquem a
origem de sua espécie, e que, ainda, contenham textos que promovam a
evolução do pensamento e do senso estético.
E se isso for mero romantismo, que eu possa encontrar mais românticos
nesse mundo. Aliás,um livro vale um romance.
16/12/2009
Compartilhe
Comentários:
Cássio concordo plenamente contigo.Só o livro impresso vai sempre se perenizar.Atravessa anos,atravessa séculos,acabando a se tornar relíquia.
Sabemos que a publicação de um livro tem um custo muito alto e os novos escritores e os iniciantes,na maioria das vezes, não têm condições de publicá-los.Contudo o livro jamais vai acabar. Suely Braga, OSÓRIO RS09/04/2012 - 20:30
Envie seu comentário
Preencha os campos abaixo.
Cássio Pantaleoni
Cássio Pantaleoni nasceu em agosto de 1963, em Pelotas, Rio Grande do Sul. Escritor, Mestre em Filosofia pela PUCRS e profissional da área de Tecnologia da Informação. Vencedor do II Premio Guavira de Literatura, na categoria conto, em 2013, com o livro “A sede das pedras”; finalista do Jabuti de 2015 com a novela infanto-juvenil “O segredo do meu irmão”. Segundo lugar na 21a. Edição do Concurso de Contos Paulo Leminski; duas vezes finalista no Concurso de Contos Machado de Assis, do SESC/DF; duas vezes finalista no Premio da Associação Gaúcha de Escritores (AGES). Desenvolve workshops sobre leitura, técnicas de escrita ficcional e filosofia aplicada à literatura. Obras Publicadas: “De vagar o sempre” – Contos – 2015, “O segredo do meu irmão” – Novela infantojuvenil – 2014, “A corda que acorda” – Infantil – 2014, “A sede das pedras” – Contos – 2012, “Histórias para quem gosta de contar histórias” – Contos – 2010, “Ninguém disse que era assim” – Novela – 2006, “Os despertos” – Novela – 2000.
Os comentários são publicados no portal da forma como foram enviados em respeito
ao usuário, não responsabilizando-se o AG ou o autor pelo teor dos comentários
nem pela sua correção linguística.