Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Na Era do livro digital, e-book, etc, o sonho dos escritores aos poucos deixa de ser publicar um livro impresso e autografar na Feira e passa a ser publicar seu livro na internet e receber bons comentários dos seus colegas e leitores. Os motivos são vários, dos custos baixos da web à precarização do mercado editorial (especialmente local), e a onda é tão forte que aos poucos também escritores "da velha guarda", identificados com livros e papéis, disponibilizam suas obras gratuitamente online para quem tiver disposição de baixá-las.
O poeta Paulo Roberto do Carmo, por exemplo, há mais de ano disponibiliza sua vasta obra poética para download no site www.paulorobertodocarmo.com. Autor de mais de 10 livros, investiu o equivalente a uma edição impressa na digitalização de suas obras, acreditando dessa forma facilitar o acesso a sua poesia.
Mas o caso que queremos tratar de perto nesta resenha é do jornalista e escritor Adroaldo Bauer. Autor de diversos poemas chamados de Poemethos, Adroaldo em 2007 lançou seu primeiro livro impresso, a narrativa O Dia do Descanso de Deus. Com tiragem de 1000 exemplares, a obra em dois anos esgotou-se entre vendas e distribuição do autor, e agora sua escolha foi manter uma nova edição apenas online com a curiosa chamada "uma novela para ler de graça" (confira aqui).
O dia do descanso de Deus remete ao estupro e assassinato de uma bela mãe de família, Divina, esposa do considerado e temido Romão, por um grupo de quatro adolescentes recém aprovados no vestibular de Medicina. Com a tragédia, Romão manda os filhos para a capital, aos cuidados de duas tias, e o narrador - entre avanços e recuos no tempo - vai revelando ao leitor uma intrincada trama em que as histórias das vítimas e algozes se cruzam em tantos outros momentos na cidadezinha do interior, relação sempre marcada por questões de classe.
Pelo enredo policial e a reconstrução de época - a história se passa na Porto Alegre dos anos de chumbo, do Restaurante Morrinhos -, Adroaldo consegue prender o leitor. Além disso, constrói uma história ideológica sem ser panfletária, que apenas nas entrelinhas denuncia algumas barbaridades que esse país parece tentar jogar para debaixo do tapete.
De se lamentar é que nosso mercado editorial seja tão restrito e um autor como Adroaldo não tenha tido, nem na versão impressa, muitos menos agora na versão online, um olhar de fora para seu livro, um olhar crítico, distanciado, capaz de perceber algumas questões técnicas que por vezes atrapalham o desenrolar da leitura, como alguma confusão na troca de espaço e tempo (que às vezes se alteram na mesma página, sem indicação), a onisciência exagerada no narrador (que sabe tudo e antecipa muitos fatos importantes), e o excesso de interrupções com flashbacks, que impedem a história principal de se desenrolar.
Fosse a novela mais concisa, mantivesse mais do seu suspense e do seu mistério, revelando menos nas linhas e mais nas entrelinhas, deixando para o final as questões fundamentais, estaríamos diante de uma belo conto policial gaúcho capaz de, quem sabe, inaugurar uma série. E fica o conselho ao Adroaldo e a todos os escritores que vêm migrando do papel para a web: na Era Digital não existe versão acabada, sempre é tempo de mudar, transformar, acrescentar, continuar.
Talvez seja exatamente esse diálogo com o leitor, os colegas e os críticos que falte para tantos e tantos livros impressos, e seja isso mesmo que os escritores busquem ao lançar um e-book, um blog ou um site. No fim das contas quem ganha com isso é o leitor e a literatura, pois agora temos boas novelas para se ler de graça ao alcance de um clique.
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