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Literatura

“Manual de Anti-Ajuda”: sarcasmo e poesia em dois Santos dos Santos
José Antônio Silva

Personalidade reconhecida no centro antigo de Porto Alegre, por onde deambula – discreto, culto e levemente irônico – entre salas de cinema, livrarias, casas de cultura, restaurantes e outros espaços amigáveis, dois Santos dos Santos é também poeta rigoroso na lavra dos versos. Mas agora, o autor de “Sobre corpos e ganas” e “Cidade noturna” leva aos leitores um inesperado “Manual de Anti-Ajuda – aforismos, frases feitas e desaforos” (Editora Nova Roma Livraria, 100 págs.), que de quebra é ilustrado pelo próprio escritor.

O título já adianta praticamente tudo o que encontraremos no miolo do livro. Há sacadas e insigths brilhantes – por vezes francamente cômicos – mas quase sempre tisnados por uma demão de sarcasmo ou desilusão. “O Brasil tem um largo passado de país do futuro” poderia muito bem ser assinada por, digamos, Millor Fernandes.

À direita e à esquerda, Santos (inconfundível mesmo à distância, com seu colete e sua boina para as quatro estações) vai aspergindo sua sabedoria cruelmente humorística: “Dada a implacabilidade do sistema, e suas circunstâncias aparentemente irremovíveis em nosso tempo, para um bocado de seres ainda chamados humanos, um outro mundo é possível só depois de mortos”.

Papai e mamãe
E, claro, a mediania geral também é brindada com pérolas como esta: “Um casamento pode ser considerado maduro e feliz quando, em torno da meia- idade, mulher e marido começam a chamar-se de ‘mãe’ e ‘pai’”.

A maioria das boutades do livro segue assim, em clave humorística – como alguém na platéia, divertindo-se com a comédia humana à sua frente. Há, no entanto, um pessimismo assumido, aparentemente domesticado, mas marcando presença e eventualmente mostrando os dentes: “Era um fracassado tão completo que foi incapaz de consumar até mesmo o suicídio”. De fato, o tema é persistente nas páginas do livreto, por vezes de modo mais inspirado: “Dada a condição humana em seus aspectos mais terríveis, o suicídio pode ser visto como uma forma de eutanásia”.

Como se sabe, há uma longa, hilária e respeitável tradição de aforismos e frases de duplo sentido, configurando uma seita que tem no jornalista e crítico norte-americano H.L.Menken, um dos seus sacerdotes maiores. Apenas uma provinha: “Digam o que disserem sobre os Dez Mandamentos, devemos dar-nos por felizes por eles não passarem de dez”. Ainda entre os norte-americanos, uma dose de Groucho Marx, sem gelo: “Eu não freqüento clubes que me aceitam como sócio”.

Palavra afiada
Claro que uma arte assim – à semelhança de um cartum, talvez - não raramente é utilizada como arma no campo da política, da crítica de arte, da discussão de botequim ou academia, sem falar nas colunas jornalísticas.

Enfim, o Brasil também tem um time que não faz feio nesta especialidade, do Barão de Itararé – “Pobre quando come frango, um dos dois está doente...” – ao citado Millor. Por falar nele, o clássico O Pasquim nos brindou ainda com Ivan (o Terrível) Lessa: “Amar é ... ser a primeira a reconhecer o corpo dele no Instituto Medido Legal”.

E a gauchada não deixa por menos (além do já lembrado e genial Barão). É o caso, entre muitos outros frasistas de talento, de Fraga – agora um verdadeiro fenômeno no Twitter, pela quantidade industrial e a qualidade artesanal de suas tiradas. Salta um pio dele, demonstrativo: “Se arrependimento matasse, ninguém se arrependeria”. Sobre esta espécie de miniblog na internet, vale frisar que é um terreno extremamente fértil e convidativo para os frasistas, como comprova o cidadão citado acima.

Humor, poesia, pensamento
Certo que alguns cultores do gênero são humoristas puro sangue; outros, caso de dois Santos, já vieram da maternidade contaminados pela poesia. O que determina diferenças sutis no resultado. Indiscutível é que faz pensar, enquanto sorrimos. “Aquele que era considerado por todos quase um deficiente mental, geralmente acaba se tornando o membro mais brilhante da família”.

Acautelai-vos, porém, loucos e visionários em geral: “Ainda que algumas pessoas se achem – quem sabe até mesmo você – nem todo o sujeito com um parafuso solto pode ser considerado genial”. E lembre-se, ainda: “Alguns muares zurram de maneira atípica, e isso é considerado uma espécie de iluminação”.

Por sinal, o mundo animal recebe considerável dose de realismo do poeta: “O cão, além de haver sido humanizado em excesso – por domesticação e contágio – foi corrompido ideologicamente: é o único animal capaz de matar em defesa da propriedade”.

Arte? Dois Santos dos Santos reservou uma das frases mais secas e cortantes do livro para o tema – frase que, aliás, talvez o defina: “A principal qualidade do artista é a exigência; e poucos a têm”.


28/11/2010

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Comentários:

Alô, Emílio! Um santo só não faz milagres! abraço Zé Antônio
José Antônio Silva, Porto Alegre / RS 24/12/2010 - 09:22
Poizé,ele é um, mas vale por dois. só não sei pra que tanto santo... abçs meu velho! Emilio
Emilio Chagas, Porto Alegre/RS 21/12/2010 - 11:38
Obrigado, Laís e Felipe. O livro do dois Santos realmente vale a pena (e até porque representa um gênero não muito frequente entre nós). Um abraço!
José Antônio Silva, Porto Alegre / RS 01/12/2010 - 13:57
Zé Antônio, beleza de texto, mais um vez. Como é bom te ler. E abriu meu apetite literário pro livro do dois Santos. abração
Laís Chaffe, Porto Alegre 30/11/2010 - 11:10
Prezado José. Bacana e instigante seu texto sobre o dois Santos dos Santos. É sempre um prazer a gente descobrir e aprender sobre pessoas tão próximas. Já cruzei tantas vezes por este artista e sempre me intrigava sua boina poética. Muito legal! Bela descoberta! Abs, Felipe Azevedo
Felipe Azevedo, Porto Alegre 29/11/2010 - 00:13

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  José Antônio Silva

José Antônio Silva nasceu e vive em Porto Alegre.É jornalista e escritor. Cinco livros editados, de ficção e poesia ao ensaio. E participa de várias coletâneas em Porto Alegre e SP, onde morou por dez anos. Também escreve roteiros para TV e vídeo e tem poemas e letras musicadas. Mantém um blog onde desagua parte de sua produção, que inclui crônicas, poesia, contos, comentários e resenhas, humor. Os textos publicados no AG são do blog lavralivre.blogspot.com, e publicados mediante autorização do autor.

j.antoniossilva@gmail.com
lavralivre.blogspot.com/


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