Miojo (não que eu veja muita necessidade em esclarecer) está para o macarrão instantâneo assim como a Gilette está para a lâmina de barbear, a Bic para a caneta esferográfica, o Bombril para a esponja de aço e o Nescau para o chocolate solúvel: marca que se transforma no próprio produto. É quase sinônimo de refeição improvisada, precária, pouco substanciosa e nada balanceada. Apelamos para um Miojo quando não queremos nos dar ao trabalho de fazer coisa melhor, quando desejamos investir o mínimo possível, quando mais interessa a impressão de saciedade do que a nutrição em si, enfim, quando a prioridade é outra. Por isso, é magnificamente significativo o uso de uma receita de Miojo em uma redação bem pontuada no ENEM, como foi evidenciado por toda a imprensa. Mais uma de nossas mazelas.
ENEM (não que eu veja muita necessidade em esclarecer) é a sigla do Exame Nacional do Ensino Médio. Em outras palavras, um vestibular – e vestibular virou qualquer exame ou prova classificatória que ordena candidatos por desempenho. Seu objetivo é compor em um só certame a classificação dos estudantes que pleiteiam vagas no ensino superior federal, ainda que no momento se esteja “apenas” pressionando as Universidades a adotá-lo em detrimento aos seus vestibulares. Com base nos resultados do ENEM, também se quer conhecer a fotografia do nosso estudante, saber como está seu desempenho, suas qualidades e, quem sabe, carências.
Como esse papo está muito sério, vou descontrair oferecendo a vocês uma receita de Miojo: se você deseja uma educação improvisada e sem se dar ao trabalho de fazer coisa melhor; investindo o mínimo possível e mais interessado na impressão de ensino do que na aprendizagem em si; enfim, quando estiver na cara que a prioridade é outra, abra um pacote governamental de soluções instantâneas (tipo Medida Provisória). Dê poucos minutos e uma carga gigantesca de redações para um corretor avaliar centenas ou milhares de textos, despeje um tempero oficial e sirva para a população. Esse artifício vai mascarar a fome por qualidade e oferecer saciedade por melhores índices estatísticos (principalmente na hora da campanha eleitoral).
Voltando ao tema da crônica, já descontraídos, não vejo o que surpreende tanto as pessoas quando redações com boas notas no ENEM aparecem na imprensa com receita de macarrão, hino de clube, poucas linhas de texto ou erros ortográficos. Nossa educação virou Miojo faz muito tempo, pedindo perdão ao honesto prato instantâneo que, ao contrário das ilusões políticas, entrega ao consumidor exatamente o que promete. Para ingerir ingredientes de alto nível como excelência em matemática, ciências, línguas, história e literatura, quando não o refinado senso crítico, só pagando. E caro. Para o povo, macarrão de três minutos e pozinho para dar sabor. Caso faltem vitaminas, proteínas e sais minerais mais adiante, ponha a culpa no professor, digo, no cozinheiro.
04/04/2013
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Comentários:
Caros Douglas e Cássio, grato pelos bondosos comentários.
Meu abraço, Rubem Rubem Penz, Porto Alegre21/04/2013 - 20:18
Muito bom, Rubem. Vc sabe o que faz. Parabens. Cassio Pantaleoni, Poa/RS10/04/2013 - 23:09
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Rubem Penz
Publicitário, escritor e músico. Orientador da oficina literária Santa Sede, crônicas de botequim - projeto iniciado em 2010 com, em 2018, 14 publicações e dois prêmios (Açorianos de Literatura como Destaque Literário e Livro do Ano AGES com A persistência do amor, Ed. Buqui). Entre outros veÃculos, foi colunista do Metro Jornal entre 2012 e 2018. Compõe o Conselho Editorial do IEL e o corpo docente da Metamorfose, StudioClio e Casamundi Cultura. Entre os livros publicados estão O Y da questão (Literalis), Inter Pares (Literalis), Enquanto Tempo (BesouroBox) e Greve de Sexo (Buqui).
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