foto: Georgie Jerzyna Pauwels
O escritor muitas vezes se vê perdido entre um palco e a folha em branco.
Uma parte de si diz:
“ Você precisa escrever mais”.
A outra contradiz:
“ Você precisa aparecer mais, divulgar, mostrar o que já fez.”
Este diálogo teatral acontece muitas vezes em sua mente, e do impasse nunca surge uma solução.
O escritor gostaria de fazer mais sucesso, mas não consegue. Gostaria de viver disso mas só acredita em raros e espaçados delírios.
“Você tá perdendo tempo, não procura as pessoas, não se divulga. Você tem que perder a timidez e mostrar a cara. Você isso, você aquilo…”
Ele está cansado de ler e ouvir isso em centenas de sites, blogues, conselhos consultorias e sei lá o que mais, dando dicas e soluções essenciais para escritores alcançarem o sucesso.
O Escritor preferia muito mais lidar apenas com suas paranoias, obsessões e medos. Mesmo quando se sente inseguro e detesta tudo que já fez, ou quando tem medo de tentar arriscar algo totalmente diferente.
E ainda assim ele insiste em prosseguir. Mas percebe também como cada vez mais a palavra parece perder força para outras mídias. Afinal, quem ainda compra e lê livros?
A publicidade aparece cada vez mais disfarçada em consumo de massa e a produção cultural vira apenas uma grande jogada de marketing.
E mesmo assim, escrevendo um pouco aqui e ali, o escritor continua sobrevivendo, fazendo alguma outra coisa qualquer, estável ou inconstante, ou dependendo de alguém ou de algum tipo de ajuda. Mas sempre distante daquilo que um dia sonhou.
Ele um dia tem um sonho estranho aonde chega a uma livraria. Percebe uma fila enorme que se estende para fora com centenas de pessoas esperando. Ele se aproxima curioso e nota algumas pessoas conhecidas, chega mais perto e vê que é ele mesmo quem está na mesa de autógrafos. Está animado, assina livros, dá entrevista, parece irradiar felicidade. Se aproxima mais e pega um livro numa pilha. Não lembra de ter escrito nada com aquele título e abre assim mesmo, curioso. Então toma um susto por ver várias páginas em branco. Folheia mais e vê que todo o livro está em branco. Fica em pânico e tenta avisar que há um erro terrível. Ninguém o escuta nem o vê. Encara e empurra a si mesmo mas este continua assinando livros, imperturbável.
Enfim desiste enfim e sai dali, imaginando tudo o que aconteceria depois quando as pessoas perceberem a verdade. Sente uma dor no estômago horrível só de imaginar tudo isso e acorda suado.
Tenta esquecer mas fica aquela coisa grudada na sua memória. Depois deste dia o escritor passa a conviver com um certo bloqueio, não escreve nem mais uma linha. A única coisa que quer é lembrar o nome do título que escreveu. Nem isso consegue, e de tanto insistir acaba ficando com dor de cabeça.
Até as vozes e diálogos desapareceram de sua mente. O Escritor está só. Se sente como alguém que já viu tudo, o tempo, o sucesso, o fracasso, o vazio inevitável. O esforço inútil. Tudo mudou e nada mudou.
Parece até tarde demais para tentar de deixar ser escritor. Ele se sente velho e acabado como aquela música antiga que não toca mais no rádio.
O escritor se sente triste e olha para uma folha em branco. Aquele vazio de repente inunda sua mente e ele repara então que o sonho ficou muito lá para trás. Passaram-se dias. Passaram-se semanas.
Passaram-se apenas poucos minutos e na verdade nada mudou. Ele confirma pelo relógio, pela data e pelas últimas anotações de tarefas e compromissos. Ele ainda está aqui, no tempo atual.
A folha em branco tremula levemente na velha máquina de escrever. Ele gosta muito de coisas velhas que ainda podem ser usadas. Seu escritório silencioso nunca pareceu tão aconchegante. A janela é a mesma, até a sua vida é a mesma.
Ele tem a chance de começar tudo de novo e sorri.
Ele sabe que em algum lugar uma nova história está prestes a ser escrita.
E isso é o que basta neste momento.
@robertotostes
imagem: Georgie Jerzyna Pauwels
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