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Entrevista

“Uma escola sem biblioteca é uma escola mutilada”
Marcelo Spalding, entrevista com Cláudia de Villar

Muitos escritores visitam escolas, salas de aula, encantam professores e professoras. Mas há um novo e saudável movimento: o de professores e professoras que se tornam escritores. Cláudia de Villar é um exemplo bem-sucedido dessa transição: publicou oito livros individuais, já planeja mais dois para este ano e tem frequentando diversas escolas e municípios. Nesta entrevista, Cláudia nos fala sobre sua carreira e a situação das escolas públicas estaduais – uma realidade que a autora conhece de perto.

Cláudia, você é escritora e professora. De que forma ser professora ajuda você a escrever?

Graduei-me em Letras, com habilitação em Literatura Brasileira, mas também possuo o curso de Magistério, por esse motivo posso também lecionar para séries iniciais do ensino fundamental e essa foi a minha opção ao decidir prestar concurso público estadual. Sendo assim, com as informações obtidas durante meus estudos posso aplicar meus conhecimentos literários em sala de aula. Mas nada se compara à experiência do dia a dia. São essas experiências que agregam não somente maior prazer em escrever como também fornecem subsídios para a minha produção escrita. Diariamente fico observando os alunos, prestando atenção no que eles mais apreciam da literatura infantil, aquilo que eles rejeitam e o que eles esperam encontrar nos livros. Dessa forma, estar entre eles como professora me proporciona uma bagagem maior e me sinto mais preparada para a produção literária infantil.

E o contrário, no que sua escrita ajuda no seu trabalho como professora?

Primeiramente, penso que não a minha escrita, mas a minha profissão como escritora auxilia na minha prática pedagógica. A minha produção ou a minha constante busca por ideias de novas narrativas me levam a transmitir aos meus alunos essa necessidade de produzir textos, de escrever novas possibilidades de encantamento, de dizer o que pensamos e, dessa forma, incentivo os alunos a escreverem, a idealizarem um futuro mais promissor, a quererem contar o que eles sonham através da produção textual e para o aperfeiçoamento da escrita nada melhor do que a prática da leitura. Por fim, como escritora eu busco a leitura e essa fome de ler eu transmito aos meus alunos, incentivando-os ao hábito de ler e escrever.

Como você vê a situação atual das escolas públicas no Rio Grande do Sul?

Infelizmente estamos enfrentando uma crise nas escolas públicas e não me refiro apenas à crise econômica, mas uma crise existencial. As pessoas que constituem as escolas públicas estão a cada dia que passa se distanciando da missão principal do ser docente: o enriquecimento cognitivo e pessoal do educando. O descaso dos governos tanto na questão da valorização salarial como na manutenção de uma escola digna com prédios em condições perfeitos de uso, a falta de fiscalização por parte da Secretaria de Educação (SEDUC) no que diz respeito à garantia de uma prática pedagógica de excelência, do descaso com um olhar atento às direções e suas ações dentro das escolas, os pais que enxergam na escola um depósito para seus filhos vão tornando cada vez mais o professor um ser sem esperança na educação. Dessa forma, cada vez mais, casos de professores omissos, despreocupados com uma prática pedagógica de qualidade ou chegando ao ponto de um total descaso com os alunos cresce em passos largos. Raros são os exemplos de compromisso com a educação dos alunos. Esses profissionais que ainda tentam agregar aos estudantes o mínimo possível de saber formal lutam para não sucumbir às suas próprias mazelas, como baixo salário, falta de recursos pedagógicos nas salas de aula, falta de reconhecimento pelos próprios colegas e nenhuma perspectiva de crescimento profissional, o que acaba por levar aos altos índices de afastamentos por motivos de doenças físicas e psicológicas e exonerações precoces. Sendo assim, o que vejo é um cenário de guerra: Alunos X Alunos, Professor X Professor, Alunos X Professor, Governo X Professor, Pais X Professor. Cada qual tentando “sair vivo” dessa peleia, e o que vai morrendo aos poucos é a educação.

Você já nos relatou casos de bibliotecas de escolas sendo fechadas pelas direções por falta de funcionário. Isso ocorre com frequência? Qual a relação dos alunos com as bibliotecas e que prejuízo traz para a escola uma biblioteca fechada?

Em alguns casos, há escolas em que as bibliotecas só existem “no papel”, mas na prática não funcionam. O bibliotecário é um profissional quase fantasma nas escolas estaduais, o que encontramos em muitas escolas são professores que saem das salas de aula e assumem esse setor. Mas o que me preocupa mais não é a falta de concurso público para bibliotecário, mas o total descaso de algumas escolas, representadas por sua equipe diretiva e seu conjunto de pais, não demonstrando interesse em ter ou manter uma biblioteca funcionando dentro da escola. Isso é triste. Uma equipe diretiva ou de pais e professores que não veem motivo em lutar para ter uma biblioteca ativa dentro de sua escola não é admissível, e o profissional que ali leciona não é um professor, mas um funcionário de uma firma não ligada à educação. Quem escolhe lecionar sabe a importância que tem uma biblioteca dentro de uma escola. Obviamente, existem as exceções.  Ainda há pessoas preocupadas com o futuro do país. E não vejo um futuro promissor sem uma educação responsável e educar com responsabilidade passa pelos caminhos da leitura.

Por parte dos educandos eu percebo dois lados distintos: há os que não foram incentivados desde cedo para a prática da leitura e que torcem o nariz para a biblioteca e o que ela representa, mas demonstram certa curiosidade no que a biblioteca poderá proporcionar a ele e aqueles que apresentam claro interesse pela leitura e por frequentar esse espaço escolar. No primeiro caso, penso que um incentivo maior por parte dos professores com demonstrações de interesse em ler poderia resultar num aluno mais “animado” em frequentar a biblioteca, mas ainda contamos com professores não leitores e isso aniquila uma possibilidade de conquistar um aluno não leitor. Por fim, uma escola sem biblioteca é uma escola mutilada.

Voltando a seu trabalho como escritora, você tem livros para o público infantil e juvenil. Por que essa escolha? Já pensou em escrever para adultos também?

Certa vez, eu estava trabalhando na sala de aula com um livro didático, mais precisamente com textos, e não encontrava neles uma ligação entre a realidade dos alunos e o que ele trazia em seu corpo. Foi a partir daí, juntamente com a minha ligação à causa animal, que eu decidi escrever pequenos textos para crianças, produzindo textos infantis com personagens animais personificados. Muito tempo depois fiz um livro para o público adulto (pouco divulgado), depois fiz o meu primeiro livro para o público juvenil, uma trilogia que mescla fantasia com a realidade. Mas ainda tenho vontade de escrever um livro de crônicas para o público adulto, uma vez que já escrevo esse gênero para um site e um jornal gaúcho.

Como veio a ideia de escrever uma trilogia, no caso O Mistério do Vento Negro?

Eu escrevo para um site literário, Homo Literatus, e o editor chefe, Vilto Reis, lançou para mim um desafio: escrever um livro com teor fantástico para jovens. No primeiro momento eu fiquei com receio, não me sentia ainda capaz de desenvolver uma narrativa mais longa e com teor diferenciado dos meus livros infantis. Fiquei dias pensando e tentando encontrar “o pontapé” necessário para tal façanha. Então, como moro num bairro quase rural em que existem uma praça onde tem um cemitério, uma capela, uma escola, uma cancha de futebol e um vento que não para, decidi fazer desse cenário o meu pontapé para escrever o livro. Porém, tenho um defeito: não sei escrever pouco. Foi então que o livro juvenil tornou-se uma trilogia. O título do livro veio do próprio vento que existe aqui no bairro.

Quais as maiores dificuldades para um escritor hoje?

Divulgação! Se não há divulgação não há conhecimento de seu trabalho e se não há conhecimento não há venda de livros. Além disso eu ressalto o alto índice de professores que não leem. Como incentivar a leitura se além de pais não leitores temos também professores que não leem?! Muitas escolas frequentam as feiras de livros apenas para cumprir o calendário escolar, mas fazem uma visita mecânica, demonstrando total descaso com a leitura, e o escritor precisa de leitores. Mas como encontrar leitores se a cada dia que passa a leitura vai perdendo espaço nas escolas? Obviamente que a escola não é a única incentivadora da leitura, mas ela tem grande responsabilidade nessa tarefa. Sendo assim, mais uma vez a divulgação do livro perde espaço também nas salas de aula e, dessa forma, dificulta ainda mais a existência do escritor.

Quais são seus projetos para 2016? 

Bah, muitos! Literariamente falando pretendo lançar dois livros, o terceiro volume do Mistério do Vento Negro e outro infantil (segredo). Além de me qualificar mais na produção literária.

Quais são os seus livros/autores favoritos? Por quê?

Gosto de livros infantis/juvenis, crônicas e obras ligadas à doutrina espírita. Não tenho autores favoritos. Aliás, adoro ler os novos autores, gente nova que eu nunca havia ouvido falar. Gosto de novidades, de conhecer novos olhares. Não faço parte daqueles leitores que compram sempre os mesmos autores. Não sei se isso é um defeito ou uma qualidade. Geralmente escolho os livros pela temática desenvolvida neles, depois é que verei quem escreveu. Claro que existem autores que “acertam” sempre a mão e escrevem textos lindos e, dessa forma, acabo comprando mais livros desses autores, porque as temáticas desenvolvidas por eles me atraem, mas é a historinha desenvolvida que me conquista não o nome do escritor ali na capa. Costumo dizer que gosto de garimpar novidades. Algumas vezes me decepciono e outras tenho maravilhosas surpresas.

Para finalizar, indique um livro para os leitores do Portal Artistas Gaúchos.

O Veleiro de Cristal, José Mauro de Vasconcelos.  Li quando tinha uns 9 ou 10 anos e fui conquistada para sempre. Isso é escrever literatura, é conquistar o leitor.


A série de entrevistas com escritores do Artistas Gaúchos, realizadas em parceria com a Metamorfose Cursos, têm o objetivo de refletir sobre o fazer literário e o mercado editorial gaúcho, buscando ao longo do ano conversar com nomes de experiências e visões distintas sobre o meio.


17/03/2016

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  Marcelo Spalding

Marcelo Spalding é professor, escritor com 8 livros individuais, editor de mais de 80 livros e jornalista. É pós-doutor em Escrita Criativa pela PUCRS, doutor em Literatura Comparada pela UFRGS, mestre em Literatura Brasileira pela UFRGS e formado em Jornalismo e Letras.

marcelo@marcelospalding.com
www.marcelospalding.com
www.facebook.com/marcelo.spalding


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