Recém eleita vice-reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a professora Jane Tutikian é antes de mais nada uma escritora de admirável currículo. Autora de dezenas de livros, tem diversos prêmios, entre eles o Prêmio Jabuti de literatura infanto-juvenil em 1984. Em 2011, foi escolhida patrona da Feira do Livro de Porto Alegre em 2011. Nesta entrevista, Jane nos fala sobre o mercado editorial, as feiras do livro e a relação entre a academia e a criação literária.
Você já publicou livros por editoras nacionais de grande alcance e por pequenas editoras locais. Qual a vantagem e desvantagem de cada modelo?
A vantagem e a desvantagem dizem respeito ao sistema editorial brasileiro. O sistema falha na distribuição e não encontra espaço na divulgação. Some-se a isso a cultura, muito nossa, de que o livro só existe no dia do seu lançamento, depois de lançado não é mais notícia. Neste contexto, o prejuízo maior é, sem dúvida, o da editora pequena. Outro aspecto, infelizmente, a ser considerado é que o livro publicado no centro do País, por uma editora grande, tem distribuição em todas as regiões, algumas com menor entrada, outras com menor. O livro publicado por uma pequena editora local não sai da sua região. E o pior é que isto não tem nada a ver com a qualidade do produto. Tenho que dizer que este contexto deve piorar diante da crise, grandes editoras, como a Saraiva com seus 100 anos ou a Cosac Naify, estão fechando suas portas. O mesmo está acontecendo com editoras pequenas por todo o País. Temos de encarar a situação e discutirmos, nós escritores, o que queremos com e dos nossos livros e como podemos intervir neste processo.
Embora você seja muito identificada com a literatura infanto-juvenil, “A Casa Feliz”, de 2015, é seu primeiro livro infantil. Quais as diferenças principais em se escrever para jovens e crianças?
Achei dificílimo escrever para criança! Se como arte não se diferencia das exigências de um texto literário, tem, por outro lado, especificidades muito marcantes que vão desde a estória a ser contada até a forma de contar a estória e de dialogar com a ilustração. Gostei do resultado de A Casa Feliz, que saiu pela Botão e teve ilustração da Ana Cândida Sommer . FIcou um livro muito bonito, mas não haverá outro, não é o meu chão. Na verdade, escrevi por um desafio pessoal. Não havia jeito de convencer meus netos, a Duda e o Dado, de que sou escritora. Como assim se não liam os meus livros? Com A Casa Feliz, consegui provar. Agora, tenho um outro desafio pela frente, provar que sou professora. Como assim professora, se sou avó?
Desde quando você faz palestras e bate-papo com jovens leitores? Este tipo de evento tem amadurecido ao longo do tempo ou a fórmula pode estar próxima do esgotamento?
Estou na estrada desde 1981. Houve grandes momentos, porque falávamos sobre algo que os jovens leitores conheciam, já tinham lido nossos livros, fazíamos um diálogo enriquecedor tanto para o aluno quanto para o escritor, um diálogo de literatura e de vida. Hoje, as coisas mudaram, levam vantagem os escritores que dançam, cantam, usam roupas coloridas, os que estão mais perto do show do que do palestrante. Não é crítica, tenho amigos que fazem isto e que fazem com competência, o que estou dizendo é que novos tempos exigem novos comportamentos. De qualquer forma, tudo tem valor se o livro chegar ao jovem leitor.
Embora haja muitas Feiras do Livro no interior, diversas acabam investindo mais em shows e espetáculos do que em livros e leitura. Isso é um fenômeno recente ou sempre foi assim?
É o que eu falava antes. Mudança de tempos e de paradigmas. Na organização da feira, entretanto, acredito que haja uma falha conceitual. Levar cem mil pessoas a um show de um artista num mesmo espaço de uma feira não implica levar cem mil pessoas a visitar as barracas. O mesmo posso dizer das feiras que colocam a praça de alimentação e música na entrada e escondem as barracas " lá no fundo". As pessoas vão, comem, ouvem música, e vão embora. Talvez seja hora de repensar o modelo de feira, mas agregá-la a outros eventos de diversão certamente não é a melhor fórmula.
Falando em novas Feiras do Livro, como foi a experiência de ser patrona da 4ª Feira do Livro na Zona Sul de Porto Alegre?
A Feira do Livro da Zona Sul é uma feira em crescimento e, a cada ano, evolui na sua organização. É uma feira jovem. Foi uma experiência muito bonita a de ser patrona no meu bairro e de poder confraternizar com os meus vizinhos. Uma experiência de afetividade ímpar.
Além de escritora, você é uma professora universitária reconhecida e tem lutado pela Escrita Criativa dentro do PPG Letras da UFRGS. De que forma você acredita que o ensino formal acadêmico pode contribuir com a formação de um escritor? É imprescindível para um escritor esse ensino formal?
Imprescindível não é. É importante. Conhecer a técnica é conhecer as inúmeras possibilidades de um texto e isto, para mim, é fundamental. Há já estabelecida uma compreensão geral de que existem regras para uma melhor expressão. Passa muito pelo que afirmou a Anais Nin: " Foi pela escrita que me ensinei a falar com os outros... Gostaria de afastar de todos os sentimentos de que escrever é algo que apenas as pessoas talentosas fazem. l\Ião são só as pessoas com dons invulgares que narram sua vida de maneira interessante." É aí que entra o Programa: Introduz a técnica, orienta leitura, estimula a produção e, o que é mais importante, é um espaço de discussão aberta sobre a produção dos participantes, fazendo com que implodam, definitivamente, as velhas torres de marfim. Então, eventualmente alguns alunos serão escritores, eventualmente grandes e famosos, enquanto outros se tornarão escritores menos conhecidos. E se o programa for bom e respeitar efetivamente o espaço da criação esses, é bom enfatizar, não serão os chamados escritores institucionalizados ou seja aqueles que carregam consigo o estilo e o pensamento de quem oferece o curso com pequena variação de tema. Os programas não têm por finalidade a criação de serial writers. Outros sairão escrevendo para a sua vida, ocasional e prazerosamente, tentando conhecer o mundo e reconhecer-se no mundo, às vezes com obviedade, às vezes com estranhamento.
Neste sentido, como você vê o surgimento de um curso tecnólogo de Escrita Criativa? Qual seria o mercado de um graduado neste curso?
Eventualmente temos conversado sobre isto na Universidade: a formação de um profissional do livro, de um editor, por exemplo. Na minha percepção, o mercado, por melhor profissional que pudéssemos formar, seria um mercado muito restrito. Já tivemos a experiência na Unisinos, e o curso fechou por falta de candidatos.
Na sua opinião, hoje a política de notas para os PPGs contribuem com a aproximação entre a academia e a sociedade, pelo menos no que tange à literatura, ou acaba priorizando o ensimesmamento da academia? Noto, por exemplo, que livros ficcionais não valem tanto quanto artigos “qualificados” para a produção docente formal do professor.
A situação dos cursos de pós-graduação na área das humanas - independente do conceito - está muito complicada no Brasil e também no mundo. Ocorre que o avanço tecnológico do final do século XX verticalizou a economia com foco na inovação e tecnologia e deu à universidade uma feição econômica. Então, no nosso caso, se mais de 95% da pesquisa brasileira se desenvolve nas universidades, esta vocação econômica transforma a universidade em fator de desenvolvimento nacional e a ciência e tecnologia no seu capital. O resultado disto é que tem-se a iluminação desta área, veja-se, por exemplo, a desproporção no número de bolsas recebidas das agências de fomento, e o sombreamento da outra: a das humanidades. Isso é triste e coloca nas mãos dos professores da área um grande desafio.Não se pode apagar o que nós somos! E nós somos nossa história, nossa filosofia, nossa arte, nossa literatura.
Por fim, indique um livro para os leitores do portal Artistas Gaúchos.
A geração da utopia, do angolano Pepetela.
A série de entrevistas com escritores do Artistas Gaúchos, realizadas em parceria com a Metamorfose Cursos, têm o objetivo de refletir sobre o fazer literário e o mercado editorial gaúcho, buscando ao longo do ano conversar com nomes de experiências e visões distintas sobre o meio.
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