Escrita
A ambientação em textos futuristas
Marcelo Spalding
A criação de textos futuristas é sempre muito instigante – embora não seja nada fácil. Ocorre que a ambientação de um texto futurista parte da realidade atual, modificando-a de acordo com a proposição do autor: por exemplo, se no futuro viveremos todos vigiados por um Big Brother; ou se no futuro não teremos mais água; ou se no futuro voaremos como pássaros.
Como exercÃcio, imagine o mundo de hoje. Agora faça uma ou outra modificação importante nas leis de hoje (sociais, fÃsicas, econômicas, polÃticas). E desloque sua história para 50 ou 100 anos adiante. Pronto, pense em quanta coisa mudou em função desse deslocamento.
Alguns escritores, como Júlio Verne, foram saudados como visionários por terem escrito sobre invenções que futuramente se confirmariam. Outros influenciaram as próprias pesquisas e o desenvolvimento tecnológico com seus textos, como Asimov. Modernamente, porém, percebemos que há uma grande quantidade de textos futuristas que se inspiram em pesquisas e relatos já publicados, explorando-os de forma poética e reflexiva em seriados, livros e filmes.
O filme Gattaca, por exemplo, lida com a complexa questão da engenharia genética e seus dilemas éticos. Esta é uma pesquisa avançada, e se não há ainda uma manipulação genética como a proposta no filme é mais por questões legais do que questões tecnológicas. Já Minority Report traz uma temática bastante fantasiosa – a possibilidade de se prever crimes –, mas com uma ambientação muito cuidadosa, baseada em pesquisas de ponta, como holografia, realidade aumentada, transportes individuais automatizados, reconhecimento facial, etc. Além disso, o filme cria uma ambientação social muito verossÃmil, com a tecnologia sendo usada para aumentar a segurança do cidadão, ainda que para isso viole sua liberdade e privacidade (neste aspecto, não poderia deixar de citar o seriado brasileiro 3%). Em histórias como Gattaca ou Minority Report, o futuro parece melhor ou mais organizado (embora os homens, por questões sociais, possam torná-lo aparentemente pior). Pode- mos dizer que essa é uma visão utópica, a do futuro como algo promissor, comum especialmente por aqueles que acreditam nas maravilhas da tecnologia.
Outra visão que se reflete na ficção futurista é a visão distópica, em que a humanidade é destruÃda em função de guerras, invenções tecnológicas, doenças, etc. Matrix e O Livro de Eli são exemplos de filmes distópicos, sem falar nos clássicos romances Admirável Mundo Novo e 1984. Particularmente me parece melhor evitar o maniqueÃsmo, cuidando o futuro catastrófico (já um tanto clichê) ou o futuro paradisÃaco (até porque você precisa de um conflito).
10/07/2020
Comentários:
Envie seu comentário
Preencha os campos abaixo.
Marcelo Spalding
Marcelo Spalding é professor, escritor com 8 livros individuais, editor de mais de 80 livros e jornalista. É pós-doutor em Escrita Criativa pela PUCRS, doutor em Literatura Comparada pela UFRGS, mestre em Literatura Brasileira pela UFRGS e formado em Jornalismo e Letras.
Colunas de Marcelo Spalding:
Selecione
Vale a pena participar de Bienais do Livro? (18/09/2024) O uso de pseudônimos para o escritor (04/07/2024) O que faz um livro ter êxito em concursos literários (05/10/2023) "A novela é a história de um personagem, o romance é a história de um assunto": as diferenças entre novela e romance (14/08/2023) O ChatGPT e a Escrita Criativa (01/07/2023) Imparcialidade: utopia ou compromisso social? (09/06/2023) Novas voltas em torno do umbigo (02/01/2023) Entrevista com Marina Mainardi, vencedora do Prêmio Odisseia de Literatura Fantástica - Narrativa Longa de Fantasia (03/11/2022) 4 dicas para desbloqueio criativo (15/01/2022) Cursos de escrita on-line ao vivo — 13 dicas para aproveitar ao máximo (20/06/2021) Como funcionam, o que diferencia e como escolher um curso online (17/05/2021) A ambientação em textos futuristas (10/07/2020) A ambientação em textos históricos (10/05/2020) O nome das personagens (10/03/2020) A personagem mais importante de um texto (04/01/2020) Literatura e interatividade: os ciberpoemas (04/10/2019) Politicamente correto ou potencialmente ofensivo? (09/05/2019) Narrador e foco narrativo (12/01/2019) Capacidade de expressão X capacidade linguÃstica (26/05/2017) A personalidade linguÃstica e os diálogos (19/04/2017) Reaprender a olhar OU a praga dos celulares em shows (26/01/2017) Expansão ou expanção: por que um erro de ortografia cometido por um grande shopping é, sim, preocupante e grave (27/12/2016) O maior desafio do mercado editorial não é a distribuição (05/08/2016) “Temos de discutir sobre o que queremos com e dos nossos livros” (24/06/2016) “Uma escola sem biblioteca é uma escola mutilada” (17/03/2016) Os direitos do leitor (17/03/2016) "Uma única professora, comprometida e bem informada, salva a leitura numa escola" (05/02/2016) "A Literatura é um Poderoso processo de Humanização" (19/01/2016) José Saramago X Paulo Coelho (10/01/2016) Teoria da Literatura e Criação Literária (17/12/2015) Por que não tenho leitores, ouvintes, público? (29/05/2015) Por que insistir na carreira de escritor? (01/03/2015) A Feira do Livro de POA é muito mais que a Feira (03/12/2014) Oficina literária é como uma aula de piano, se aprende técnicas (01/12/2014) Para que servem oficinas literárias? (07/10/2014) A difÃcil diferença entre cultura, arte e entretenimento (26/07/2014) O mercado editorial sob a ótica dos escritores VII: escritora de Caxias mostra a força da literatura fora das capitais (20/06/2014) O mercado editorial sob a ótica dos escritores VI: "O importante sempre é o caráter do escritor e a qualidade de seus livros" (17/06/2014) O mercado editorial sob a ótica dos escritores V: "Sem o mediador, a leitura não se estabelece como valor e desejo" (12/06/2014) O mercado editorial sob a ótica dos escritores IV: A leitora que virou professora que virou escritora (10/06/2014) O mercado editorial sob a ótica dos escritores III: a escritora que conhece e-books como poucos também quer publicar em papel (06/06/2014) O mercado editorial sob a ótica dos escritores II: "Não me sentiria um escritor sem ter o meu nome impresso numa capa" (04/06/2014) O mercado editorial sob a ótica dos escritores (27/05/2014) O desafio de publicar (21/02/2014) Dicas para a criação de personagens na ficção (26/07/2013) Sobre a crÃtica ao texto (20/04/2013) A literatura infanto-juvenil que vem de longe (28/01/2013) Contos Gauchescos chega ao cinema (21/11/2012) 3 dicas do mestre Assis Brasil para a escrita criativa (25/10/2012) Literatura, Interação e Interatividade (24/08/2012) Uma nova forma de captação para projetos culturais (17/07/2012) O Guia Prático do Português Correto da L&PM (17/06/2012) O fim do livro didático (28/05/2012) Contra a Cavalgada do Mar (22/02/2012) A capacidade de expressão e o ensino de lÃngua portuguesa (02/02/2012) Entrevista com Jane Tutikian, patrona da Feira do Livro de POA (10/11/2011) O certo e o errado no ensino da LÃngua Portuguesa (07/06/2011) Yes, nós queremos preservar a lÃngua portuguesa (16/05/2011) História da leitura (VI): o iPad aponta o futuro? (14/04/2011) História da leitura (V): o livro na Era Digital (14/04/2011) História da leitura (IV): a ascensão do romance (11/04/2011) História da leitura (II): o códice medieval (10/04/2011) História da leitura (III): a imprensa de Gutenberg (07/04/2011) História da leitura (I): as tábuas da lei e o rolo (17/03/2011) Escritora fala sobre a vida literária em Osório (31/01/2011) O livro Toy Story para iPad: uma revolução? (07/01/2011) Prêmios, panelinhas, tapinhas nas costas e afins (13/12/2010) A contÃstica madura de Cleci Silveira (15/11/2010) Autobiografia de um ex-negro (31/10/2010) Por que os artistas devem dar seu trabalho de graça (27/09/2010) Luiz Antonio de Assis Brasil (08/09/2010) A quem interessa uma sociedade alienada? (31/08/2010) O fim do livro? (16/08/2010) Uma novela para ler de graça (20/02/2010) O videogame de Ricardo Silvestrin (25/12/2009) A arte de narrar a História (25/11/2009) Um papo histórico com Affonso Romano de Sant'Ana e Marina Colasanti (09/11/2009) Pelo fim do complexo de vira-latas (20/10/2009) Pelo fim do complexo de Vira-Latas (03/10/2009) O Guri de Uruguaiana (25/09/2009) Como será a literatura na internet? (16/09/2009) Cravo e Rosa para adultos e crianças (07/09/2009) Literatura e interatividade: do Jogo da Amarelinha ao Jogo do Chá (27/08/2009) A cauda longa dos artistas somos nós (11/06/2009) Quanto custa rechear seu CurrÃculo Lattes (05/03/2009) A Criação em tempos de Crise (19/02/2009) Dicas da semana para o Porto Verão Alegre IV (12/02/2009) Dicas da semana para o Porto Verão Alegre III (06/02/2009) Dicas da semana para o Porto Verão Alegre IV (06/02/2009) Dicas da semana para o Porto Verão Alegre II (30/01/2009) Dicas da semana para o Porto Verão Alegre I (22/01/2009) E a Turma da Mônica cresceu (15/01/2009) Aperte o play (14/01/2009) Ideia acordou sem acento (05/11/2008) Literatura é coisa pra jovem? (03/09/2008) Literatura é coisa para jovem? (03/09/2008) O inventário da dor de Lya Luft (24/06/2008) Geração Coca Zero (12/06/2008) Palavras e silêncio ao espelho (20/05/2008) Ideia acordou sem acento (11/05/2008) Literatura vira motivo de festa (26/03/2008) Olhos de morcego para enxergar além (13/03/2008) Burguesinha, burguesinha, burguesinha, burguesinha (06/03/2008) Preconceito LingüÃstico no Romance Cidade de Deus (10/02/2008) Cartas a um jovem escritor (28/01/2008) O que a greve dos roteiristas tem a nos ensinar (09/01/2008) Literatura policial ou literatura bandida? (03/01/2008) Por detrás dos números (24/12/2007) Sobre a milésima segunda noite (16/12/2007) Qual é, afinal, a melhor idade? (27/11/2007) Com a palavra, as gordas, feias e mal amadas (20/11/2007) Poder, sexo e fé na história dos vendilhões (20/11/2007) Escrever não é trabalho, é ofÃcio (20/11/2007) Sexo, drogas e rock'n'roll (13/11/2007) Livros do bem e do mal (13/11/2007) Um Jabuti para o miniconto (12/11/2007) Micronarrativa e pornografia (21/03/2006) O desafio de publicar (24/01/2006)
Os comentários são publicados no portal da forma como foram enviados em respeito
ao usuário, não responsabilizando-se o AG ou o autor pelo teor dos comentários
nem pela sua correção linguística.