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Literatura

Vida e obra de Chaya Pinkhasovna
Solon Saldanha

Ela não fazia questão nenhuma de lembrar para as outras pessoas o seu nome de batismo, o verdadeiro. Sempre preferiu ser chamada pelo que adotou, quando o Brasil se tornou sua pátria por opção. Filha de família judia, nascida num lugarejo pequeno no interior da Ucrânia, em 1920, veio embora com sua família fugindo do antissemitismo que assolava sua região. E mesmo essa fuga, muito necessária, não foi nada fácil. Foram feitas escalas na Moldávia e na Romênia, antes de cruzarem o Atlântico até Maceió, onde já estavam alguns parentes também fugidos. Em nosso solo, o pai Pinkhas tornou-se Pedro; e mãe Mania, virou Marieta; e Chaya optou por Clarice, novos nomes portugueses para uma nova vida. Interessante é que as iniciais foram mantidas. Também manteve o sobrenome do pai: Lispector.



Clarice Lispector, nascida Chaya Pinkhasovna

A vida antiga merecia mesmo ser deixada de lado. Seu avô havia sido assassinado; a mãe, estuprada ainda durante a Primeira Guerra Mundial, passou a conviver com a sífilis, vindo a falecer não muito tempo depois de ter chegado ao Brasil. O pai, quase sem recursos e com três filhas, mostrou ser a pessoa inteligente e combativa de antes, sobrevivendo modestamente com a venda de roupas. Mas priorizava os estudos das meninas, o que o fez ir para Recife quando Clarice tinha cinco anos, e para o Rio de Janeiro, quando ela tinha dez. Na então capital do nosso país, ela conseguiu estudar na Faculdade de Direito da Universidade do Brasil, onde foi a primeira judia e a terceira mulher a entrar. Sua educação, portanto, foi superior à média do que atingiam mesmo as filhas das classes mais privilegiadas.

Formada em dezembro de 1943 – preferiu não comparecer à cerimônia de colação de grau –, Clarice Lispector não se dedicou à carreira, uma vez que seu sonho sempre fora o de estar em redações de jornais. E fez isso, buscando vaga em algumas delas. Mas na verdade já escrevia desde muito antes. Nos diários, passou a ser reconhecida por seu talento e admirada por sua beleza. Leitora contumaz das obras de Machado de Assis, Eça de Queiroz e Fiodor Dostoievski, entre outros grandes escritores, começava ali sua própria trajetória. De início teve que escrever colunas que eram dedicadas a assuntos ditos “de interesse da população feminina”, espaços obviamente carregados de preconceito. Mesmo nesses casos dava um jeito de colocar algum tópico que incentivasse o questionamento. Não raras vezes concluía com a pergunta “você gostaria mesmo de estar fazendo isso?”.

No mesmo ano conseguiu encaminhar para a editora pertencente ao jornal A Noite os originais de seu primeiro livro, Perto do Coração Selvagem. De uma tiragem de mil exemplares, recebeu cem em troca dos direitos de venda e dos lucros posteriores. Os seus, encaminhou para críticos literários. O trabalho recebeu rasgados elogios da maioria deles, que chegaram a comparar seu estilo com o de alguns escritores estrangeiros famosos. Isso a irritou, porque não havia lido nenhum dos citados e não se pretendia nem poderia estar sendo influenciada por eles. Álvaro Lins foi o único que falou mal, sugerindo que a obra era enfraquecida por “temperamentos femininos”.

Casada com um antigo colega da faculdade, que seguiu carreira diplomática, acabou indo morar em Belém. Depois do término da Segunda Guerra Mundial, foram para Nápoles, na Itália. Foi lá que ela concluiu seu segundo livro, O Lustre, que havia começado a escrever ainda no Brasil. Devido ao sucesso do primeiro, esperava conseguir publicação fácil, em grande editora. Mas isso não aconteceu. Separada em 1959, depois de muitas viagens que preferia não fazer, voltou para o Brasil.

Viciada em cigarros desde a adolescência e em remédios para dormir, na maturidade, em 1966 dormiu com um cigarro aceso e colocou fogo na cortina do quarto. As chamas se alastraram por todo o apartamento e ela foi salva apenas porque a vizinha do outro lado da rua se deu conta do problema e chamou os bombeiros. Com boa parte do corpo queimado, ficou dois meses hospitalizada, de início à beira da morte. Sua mão direita só não foi amputada porque a irmã não concordou. Recebeu enxerto de pele e fez fisioterapia por anos, mas nunca recuperou os movimentos na sua totalidade. Em função disso, passou a precisar de assistentes que lhe ajudassem a passar suas ideias para o papel. A última profissional foi Olga Borelli, também enfermeira, que ficou com ela até sua morte, em 9 de dezembro de 1977, véspera do seu aniversário de 57 anos.

Dela foram publicados outros seis romances, além dos dois primeiros já citados: A Cidade Sitiada, A Maçã no Escuro, A Paixão Segundo G.H., O Livro dos Prazeres, Água Viva e Um Sopro de Vida. Também escreveu a novela A Hora da Estrela, além de sete livros de contos, cinco de literatura infantil, dois de crônicas, dois de correspondências, três de artigos em jornais e um de entrevistas. Isso sem contar os volumes das inúmeras traduções que fez, para diversas editoras. A Ucrânia nos deu de presente, sem saber, uma das maiores personalidades brasileiras de todos os tempos.


15/04/2021

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Comentários:

Apreciável iniciativa, esta de apresentar aspectos pouco conhecidos desta grande escritora. Agradecida .
Zilá P. Mesqauita, Porto Alegre, RS 07/05/2021 - 19:36
Ótimo artigo do Solon, muito informativo e que toca na questão da fragilidade emocional da grande escritora. Parabéns.
José Antônio Silva, Porto Alegre/RS 22/04/2021 - 11:10

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  Solon Saldanha

Solon José da Cunha Saldanha, graduado em jornalismo, tem especialização em Comunicação e Política, além de mestrado em Letras. Com experiencia na mídia impressa, rádio e assessoria de imprensa, atua como revisor estilístico de textos e professor universitário. Escreve contos e crônicas.

solonsaldanha@gmail.com


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