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O poder da palavra
Solon Saldanha

Pode ser verdade ou não, mas li que no Século XVIII um pequeno navio capitaneado pelo corsário francês Surcouf teria se aproximado de um navio inglês muito maior do que o seu e, mesmo assim, conseguiu capturá-lo sem maiores dificuldades. O oficial britânico rendido teria então dito ao vencedor da batalha: “Vocês, franceses, lutam por dinheiro. Nós, ingleses, lutamos por honra.” Frase absolutamente previsível, devido à tradicional arrogância britânica. Entretanto, a resposta recebida foi tão fulminante quanto fora antes o confronto: “Cada um luta pelo que lhe falta.” A frase foi muito feliz, mesmo que pronunciada por um homem que talvez não tivesse assim tantas condições morais para fazer isso. Robert Surcouf (1773-1827) era também traficante de escravos, tendo operado no Oceano Índico entre 1789 e 1801, voltando a fazer isso entre 1807 e 1808. Foi responsável pela captura de mais de 40 navios abordados. Dono de uma fortuna considerável, ele a acumulou não apenas via butim, mas também com atividades legais ligadas ao comércio. Para efeito de comparação, seria como se os rendimentos não viessem apenas de rachadinha e de loja de chocolates de fachada, havendo espaço ATÉ para atividades lícitas.

É inegável o poder de uma simples palavra. Ou o impacto de uma frase bem colocada, com teor e oportunidade. Isso é tão importante que várias vezes o “acaso” foi antes cuidadosamente planejado, no que hoje se chama de ação de marketing. Coisa assim como discurso de político, cujo “improviso” é tirado do bolso, em papel escrito em geral por algum assessor. Confesso que eu mesmo no passado já ganhei algum dinheiro fazendo isso, sendo o autor oculto de manifestações de terceiros. Não há nada de errado nisso, desde que o que é redigido não atinja as suas convicções pessoais nem a ética. Eu jamais escreveria um discurso para Bolsonaro, por exemplo. Se bem que esse talvez enfrentasse inclusive dificuldades para ler e entender o que estivesse lendo. Ou seja, não daria certo.

Voltando às frases de impacto calculado, alguém acredita mesmo que o astronauta Neil Armstrong não teria decorado muito antes de pronunciar a famosa “esse é um pequeno passo para um homem, mas um salto gigantesco para a humanidade”, na chegada à Lua? Muito boa! Eu teria orgulho, se fosse minha. Outro norte-americano é responsável por uma que também deve ter resultado de uma análise prévia e cuidadosa, pela repercussão que causaria. Mas tem uma verdade muito atual e inegável, merecendo ser repetida. “Eu achava que a política era a segunda profissão mais antiga. Hoje vejo que ela se parece muito com a primeira”, disse o ex-presidente Ronald Reagan, sendo o autor ou não. A dúvida vem do fato de que ele era meio tacanho, até para algo assim não muito sutil. Certa feita, em viagem feita ao Brasil, saudou os brasileiros com um sonoro e inesquecível “querido povo boliviano”.

Claro que as frases mais famosas parecem ser de filósofos. O que não se deve estranhar, uma vez que essa sempre foi a função primordial da Filosofia: pensar e tornar inteligível o fruto do pensamento. Então o “penso, logo existo”, de René Descartes, tem mesmo que ocupar lugar de honra. Vale o mesmo para “nada é permanente, exceto a mudança”, de Heráclito, que era de Éfeso, na atual Turquia. Mas daí é covardia: não sobra nada para nós, simples mortais. O grego Sócrates parece ter se referido a boa parte da população atual, aquela ala negacionista. “A verdadeira sabedoria está em reconhecer a própria ignorância”, eis a sentença com certeza não lida por essa turba.

No Brasil, Getúlio Vargas foi literalmente terminal quando escreveu “saio da vida para entrar para a história”. De fato ele entrou, mas na verdade já estava nela antes de sair. A francesa Simone de Beauvoir norteou o feminismo com a implacável “não se nasce mulher: torna-se mulher”. E uma das maiores demonstrações de fé e otimismo que eu já vi não foi de nenhum religioso. Anne Frank, a menina escritora que viveu escondida em um sótão até ser descoberta e morta em um campo de concentração nazista afirmou: “apesar de tudo eu ainda acredito na bondade humana”. O líder indiano Mahatma Gandhi disse que “não há caminhos para a paz, porque a paz é o caminho”. Em um mundo que sempre viveu em guerra, se entende a frase de Einstein, que foi dita pensando na ciência. “Todos os dias sabemos mais e entendemos menos”, afirmou ele.

Tenho tentado ler e assimilar aquele provérbio árabe que afirma: “não abra a boca se não tiver certeza de que o que você vai dizer é mais bonito do que o silêncio”, adaptando isso para meus modestos escritos. O que é algo que se faz com os lábios cerrados, mas com risco semelhante. Para finalizar, quero ressaltar a fantástica frase do humorista Millôr Fernandes: “se uma imagem vale mais que mil palavras, então diga isso usando uma imagem”. A impossibilidade só confirma o poder da palavra.

08/02/2022

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Comentários:

Boa noite! Adorei teu texto, parabéns!
Lisiane Vieira Ortiz Martinez, Bag 05/06/2022 - 19:29
Não nos esqueçamos que independente das nacionalidade a força propulsora da época era o Mercantilismo. Francês ou Inglês o que importava eram as relações comerciais e a busca de ouro e prata. Gostei do texto.
José Roberto do Amaral Lobo, Rio de Janeiro 21/02/2022 - 18:20
Excelente texto. Mais do que poder, a palavra é.
Luiz Alexandre Kikuchi Negrão, So Paulo - SP 15/02/2022 - 17:39
Extraordinário! Texto e conteúdo que valorizam e engrandecem o poder da palavra! Grata.
Nanci Passoni, So Paulo/SP 15/02/2022 - 16:05
Texto maravilhoso! Obrigada
Maria Eizabeth Timponi de Moura, Belo Horizonte 15/02/2022 - 09:55
Bom dia! Excelente texto. Ótimo para a primeira leitura da manhã. Recebi através de um grupo da Metamorfose Cursos. Abraço!
Deise Ferraz, Porto Alegre 15/02/2022 - 09:16

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  Solon Saldanha

Solon José da Cunha Saldanha, graduado em jornalismo, tem especialização em Comunicação e Política, além de mestrado em Letras. Com experiencia na mídia impressa, rádio e assessoria de imprensa, atua como revisor estilístico de textos e professor universitário. Escreve contos e crônicas.

solonsaldanha@gmail.com


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