Escrita
O ChatGPT e a Escrita Criativa
Marcelo Spalding
A tecnologia está aà para nos movimentar e é natural que ela nos assuste porque individualmente podemos, sim, ser afetados. Algumas funções de trabalho realizadas por humanos foram substituÃdas, por exemplo; a Amazon afetou, sim, o modelo de negócios de editoras e livrarias. Mas, ao mesmo tempo, muitos autores que não tinham espaço e acesso a grandes editoras e a grande mÃdia conseguiram viabilizar uma carreira por causa da Amazon, por causa das redes sociais.
A tecnologia por si não é um grande problema, não é uma ameaça para a sociedade e também não é uma ameaça para nós escritores ou criadores de conteúdo. A questão toda é o que podemos pensar em relação a essa novidade que é a inteligência artificial generativa.
Uma inteligência artificial, até que se prove ao contrário, vai trabalhar com algoritmos, no limite ela é matemática, ela é lógica; então, é claro que uma inteligência artificial vai nos ganhar em relação a questões lógicas e matemáticas. Mas e em relação ao texto?
Até então, escrever um texto parecia algo impossÃvel para uma inteligência artificial, e nós temos visto que o ChatGPT faz textos medÃocres, medianos, mas melhores que a maioria dos textos que têm sido feitos por nós, humanos. E isso acontece porque o ChatGPT se baseia em conteúdos já publicados, em textos já escritos por nós, armazena isso numa memória e consegue perceber qual a possÃvel palavra que se encaixaria melhor naquele contexto,
A grande questão é se a gente consegue fazer isso com a arte; e literatura, para mim, é a arte da palavra. Será que esse tipo de inteligência artificial é capaz de fazer obra de arte? Será que um texto feito por uma IA por natureza deixa de ser arte à medida que não tem uma autoria, não tem uma originalidade? Ou a gente vai ter que rever, repensar, o que seja arte?
Eu diria que nós, escritores, não escrevemos apenas racionalmente, não escrevemos apenas com os nossos conhecimentos prévios, com nosso conhecimento linguÃstico. Escrevemos também com o coração, com a alma, com aquilo que nos faz sangrar. E quando a gente escreve com aquilo que nos faz sangrar, quando a gente escreve além do texto burocrático, do texto previsÃvel, não tem como uma inteligência artificial nos imitar. Então, parece que esse tipo de programa rapidamente vai afetar os autores de textos médios e medÃocres, pessoas que fazem textos repetitivos, pessoas que fazem textos automatizados.
A grande pergunta é se o leitor, se o público, vai conseguir diferenciar e se ele vai valorizar um texto escrito por um humano. A gente sabe que para atendimentos do tipo cliente-empresa, por exemplo, é muito melhor o atendimento humano do que o atendimento da inteligência artificial. Será que ela vai melhorar a ponto de não se saber se é humano ou artificial? A gente vai preferir uma inteligência artificial do que um humano nesse tipo de situação?
O que a gente sabe é que a escrita autoral cada vez vai ser mais valorizada, a escrita criativa vai ser cada vez mais um elemento que diferencia o nosso texto daquilo que é do robô, daquilo que é automático. Sendo otimista, a IA vai nos provocar a ser mais humanos, a buscar o que há de humano na gente, o que há de humano nos textos, o que há de humano na arte. A minha grande dúvida, sendo pessimista, é se o público, se o leitor, vai perceber esse valor, vai reconhecer, vai valorizar essa criatividade e esse lado humano dos textos que a gente escreve e vai continuar escrevendo.
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01/07/2023
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Marcelo Spalding
Marcelo Spalding é professor, escritor com 8 livros individuais, editor de mais de 80 livros e jornalista. É pós-doutor em Escrita Criativa pela PUCRS, doutor em Literatura Comparada pela UFRGS, mestre em Literatura Brasileira pela UFRGS e formado em Jornalismo e Letras.
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