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Língua Portuguesa

O Guia Prático do Português Correto da L&PM
Marcelo Spalding

Fazer a língua portuguesa e suas aparentemente intermináveis regrinhas caberem no bolso de qualquer leitor razoavelmente interessado: essa parece ter sido a primeira inteção da L&PM com o Guia Prático do Português Correto, lançado primeiramente em 2003 e relançado agora com a “Nova Ortografia”.

A obra, escrita por Cláudio Moreno, é composta de quatro volumes (ortografia, morfologia, sintaxe e pontuação) e reúne perguntas enviadas por leitores do professor Moreno e suas respostas, sempre dadas com concisão, precisão e algum humor. Moreno, além das perguntas e respostas, faz breves introduções para cada tema que, se reunidas, poderiam formar uma concisa descrição do sistema da língua portuguesa, tamanha a qualidade de seus recortes e de sua didática.

Na apresentação (comum às quatro obras), Moreno promete ao leitor “revisitar aquelas regras que aprendi quando pequeno, na escola, com todos aqueles detalhes que nem eu nem meus professores entendíamos muito bem (…) Este livro, da primeira à última linha, foi escrito no tom de quem conversa com alguém que gosta de sua língua e está interessado em entendê-la”. Não se engane, porém, aquele leitor leigo que espera da coleção um Guia Prático para iniciantes, algo que supra as tantas carências do ensino escolar de língua portuguesa. É verdade que ao longo das inúmeras perguntas e respostas, e das quase mil páginas de toda a coleção, o professor Moreno abordará uma gama enorme de conteúdos, mas a terminologia, as analogias e até a escolha das perguntas requer um leitor que já tenha certo convívio com nosso idioma. Não há, por exemplo, tabelinhas para se decorar, lista de pecados capitais e outros recursos positivistas de validade duvidosa muito presentes em livros didáticos.

Ocorre que Moreno é pupilo do grande mestre Celso Pedro Luft, linguísta que soube ir muito além das “regras de português” para investigar o sistema da língua, as leis gerais de nosso idioma que as gramáticas tentam fotografar, descrever. A postura, portanto, não é a de um juiz apontando o certo e o errado, julgando defeitos da fala ou da escrita, e sim do cientista que olha para seu objeto, reflete sobre hipóteses e aponta uma resposta técnica, baseada em anos de estudo e experiência. Tal locução tem crase? Tal frase tem vírgula? Depende do uso, depende da intenção, poderá responder o professor. E a imprecisão da resposta será acompanhada de uma longa explicação da importância de não acreditarmos em formas fixas quando se fala em língua, da evolução da língua, da independência do português brasileiro em relação ao português europeu, etc.

Exceção a isso talvez seja o primeiro volume, que trata da ortografia, pois desde o Acordo de 1943 a ortografia é uma lei e como tal deve ser respeitada, com suas regras imposições. Moreno divide o volume em “como se escreve” e “como se diz”, sendo que a maior parte é destinada à escrita, com os capítulos “emprego das letras”, “acentos e sinais” e “hífen e assemelhados”. A leitura é curiosa porque a todo momento o leitor irá se deparar com regras que não lembrava ou conhecia e até se surpreender com as formas de se escrever determinadas palavras, mas o volume não trata de erros comuns, embora um tanto simplórios, como “mais” no lugar de “mas”, “atravez”, “análize”, “compreenção”, etc. Não é, e nem procura ser, um dicionário, e sim um tira-dúvidas que tenta demonstrar a aplicação de um sistema que, embora escorregadio, rege nossa ortografia.

O segundo volume, de morfologia, é dividido em “formação de palavras”, “flexão nominal” e “conjugação verbal”. Este talvez seja o volume mais técnico, pois os casos abordados são em sua maioria muito específicos, como o aumentativo de “rio”, o plural de “fax” ou o feminino de “beija-flor”. Aqui a leitura vale mais pela demonstração de cultural geral do professor, pois ele muitas vezes nos leva à origem da palavra para tentar demonstrar seu uso contemporâneo ou à equivalência em outras língua para demonstrar seu uso no português.

Já o terceiro e quarto volumes são primorosos e deveriam estar entre as leituras exigidas por qualquer disciplina de Língua Portuguesa do Ensino Médio ou Superior (em que, infelizmente, disciplinas de Língua Portuguesa não são tão comuns mesmo em universidades federais, que preferem excluir os que não dominam algumas regras do idioma a demonstrar aos seus ingressantes a importância de usar o conhecimento linguístico no dia a dia profissional).

O terceiro volume aborda a pontuação, exaustivamente descrita por Moreno como uma convenção, um código criado ao longo dos muitos anos da língua entre o leitor e o escritor, e não uma lei, como a ortografia. O grande mérito do livro é demonstrar de forma clara e coloquial que a pontuação não tem relação direta com a “pausa na fala”, como tantos pensam, e sim com a estrutura sintática da frase. Frases em ordem direta (ou seja, na lógica utilizada por Luft e por Moreno, frases com “sujeito”, “verbo”, “objeto” e “complemento”) não requerem vírgula, enquanto frases em que haja um deslocamento, uma intercalação ou uma enumeração, regra geral, requerem sinais de pontuação para avisar ao leitor da mudança sintática.

A sintaxe, aliás, é o tema do quarto volume, que vai muito além dessa estrutura frasal que já fora abordada no terceiro volume e trata da “crase”, da “regência”, da “concordância” e da “colocação do pronome”, temas sempre presentes nas mais variadas provas de concurso. O capítulo sobre a crase pode ser usado como exemplo do esforço do professor em quebrar a memorização simplista para fazer o usuário da língua entender o sistema linguístico: Moreno rejeita os tais sete pecados da crase e demonstra sua aplicabilidade quando da presença do “artigo” e da “preposição”, demonstrando ao leitor porque aqui e ali tem ou não tem encontro das duas, formando as condições para o acento indicativo de crase.

Como um todo, a coleção tem seu grande mérito na compilação de temas tão complexos em quatro volumes curtos, de linguagem e preço acessíveis, sem abrir mão de uma postura linguística moderna e arejada (diferente daquela usada por tantos pasquales frequentes na grande mídia). Didaticamente falando, entretanto, talvez fosse mais interessante o professor elaborar ou um Guia de fato, com pequenos textos sobre cada um dos conteúdos, índices remissivos e tabelas explicativas, para o ávido público leigo. Ou, para o carente público interessado, uma gramática contemporânea menos técnica que a de um Luft e mais concisa que a de um Bechara. Neste caso, uma tarefa tão hercúlea que talvez nem o próprio professor Moreno saiba que ele seria, sim, capaz de fazê-la.

17/06/2012

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  Marcelo Spalding

Marcelo Spalding é professor, escritor com 8 livros individuais, editor de mais de 80 livros e jornalista. É pós-doutor em Escrita Criativa pela PUCRS, doutor em Literatura Comparada pela UFRGS, mestre em Literatura Brasileira pela UFRGS e formado em Jornalismo e Letras.

marcelo@marcelospalding.com
www.marcelospalding.com
www.facebook.com/marcelo.spalding


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