Tenho cá minhas dúvidas se a medicina já catalogou essa patologia que chamarei de intelectualidade mórbida. Porém, há quem apresente sintomas do distúrbio, como arrogância crônica, mau humor e desprezo pela opinião alheia. Segue uma luz sobre o tema.
Intelectual mórbido gosta de ler. Óbvio, quem não gosta? Mal está com um livro nas mãos, já está pensando no próximo. Contudo, acumula conhecimento em desproporção com sua capacidade de compartilhar, o que faz dele alguém cada vez mais pesado. Vira o sabe-tudo e, em casos agudos, preconceituoso. O que era para ser libertador torna-se prisão.
A intelectualidade mórbida também faz muito mal ao coração. Fica difícil amar quando se está intoxicado pela complexidade humana. Quanto mais dela, menos espaço sobra para fluir a inocência dos sentimentos, a pureza das intenções. Isso faz crescer a pressão, exigindo do outro muito esforço para conquistar empatia, desejo, compaixão. Intelectual mórbido não se doa. Compete, desconfia, é impaciente. Na balança, o desencanto.
O SUS não ampara em seus procedimentos quem sofre de intelectualidade mórbida. Nem adiantaria, mesmo. Intelectual, mórbido ou não, só procura o serviço público de saúde no desespero – como acreditar nesse tipo de gestão? Descrença, aliás, é outra consequência da hipertrofia patológica da razão. Se um dia a pessoa teve alguma fé, religiosa ou na humanidade, ela foi sufocada por grossas camadas de pragmatismo.
Um aviso: em nenhum caso é recomendada cirurgia de redução de cérebro. A cura para esse mal passa por educação alimentar e mudança de hábitos. Primeiro, mesmo contra a vontade, há que se consumir alguma dose de frivolidades. A arte, na superfície, contém fibras: alimenta pouco, mas ajuda na formação do bolo (evito aqui a palavra que me veio). Paralelamente, mexer-se. Ir até o ponto de vista do outro, próximo ou distante, emagrece o ego enquanto tonifica a humildade.
Previna-se da intelectualidade mórbida. A inteligência bela e saudável é leve, flexível, aeróbica. Há exemplos assim para serem seguidos dentro e fora da Academia. E, aproveitando a abertura da Feira do Livro, comecemos com doces caminhadas na Praça da Alfândega.
07/11/2012
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Comentários:
rubem penz intelectualidademórbida maria luisa, poa-rs20/06/2013 - 23:27
Detesto ter que declarar: conheço várias pessoas que sofrem desse mal. Eu mesma, em momentos de grande pessimismo, penso que nós, seres humanos, mereceríamos que o fim-do-mundo anunciado fosse verdadeiro e que, em dezembro de 2012, passássemos desta dimensão para alguma melhor mais apropriada, incluindo-me, claro. Depois, faço alguns exercícios como os que sugeriste e me retorno à cena! Belo artigo! Parabéns... T. Medeiros - 10/11/2012 Theresa Medeiros, Porto Alegre10/11/2012 - 22:16
Rubem, além de achar ótima a denominação que adotaste para essa síndrome(?), achei uma pérola tua afirmação sobre a dificuldade de amar (impossibilidade, talvez) quando se está intoxicado pela complexidade humana. Eu, que não me considero exatamente otimista (ceticismo moderado, seria um bom termo), acho que o excesso de descrença não alimenta nada de produtivo e é diferente de não alimentar expectativas desnecessárias. Gostei imenso de ler essa reflexão! Maurem Kayna, Guaíba - RS08/11/2012 - 14:14
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Rubem Penz
Publicitário, escritor e músico. Orientador da oficina literária Santa Sede, crônicas de botequim - projeto iniciado em 2010 com, em 2018, 14 publicações e dois prêmios (Açorianos de Literatura como Destaque Literário e Livro do Ano AGES com A persistência do amor, Ed. Buqui). Entre outros veículos, foi colunista do Metro Jornal entre 2012 e 2018. Compõe o Conselho Editorial do IEL e o corpo docente da Metamorfose, StudioClio e Casamundi Cultura. Entre os livros publicados estão O Y da questão (Literalis), Inter Pares (Literalis), Enquanto Tempo (BesouroBox) e Greve de Sexo (Buqui).
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